No âmbito do Direito Penal, não há mecanismo melhor para combater o abuso de autoridade do que o próprio conhecimento jurídico e a objetividade da lei, afirma o jurista e professor Fernando Capez. Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo e especialista em Direito Penal, Capez falou sobre a importância da dogmática jurídica em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, na qual a revista eletrônica Consultor Jurídico conversa com alguns dos principais nomes do Direito brasileiro e internacional. Para Capez, no cenário atual, em que a lei tem sido frequentemente aplicada de maneira arbitrária, é de suma importância restabelecer a Ciência Jurídica como forma de solução dos principais problemas relacionados ao Direito Penal no país. “Diante da enorme instabilidade política e jurídica que tomou conta do Brasil nos últimos 15 anos, há uma tendência de que a Justiça se torne muito prática, abandonando os padrões objetivos de legalidade em troca do uso retórico de princípios vagos, imprecisos, e até de jargões para justificar decisões que muitas vezes são contrárias ao texto objetivo da lei e à própria letra expressa da Constituição”, contextualizou Capez. Nesse sentido, segundo o procurador, cabe à classe jurídica discutir, sob diversos prismas, os diplomas legais mais sensíveis a essa problemática — como a Lei de Lavagem de Dinheiro, por exemplo. Assim, ele destaca que a discussão deve abordar aspectos como a eficiência da lei, a garantia dos direitos humanos e o respeito ao devido processo legal no curso das investigações, com o atendimento ao contraditório e à ampla defesa — tudo isso, porém, sem comprometer a proteção do patrimônio público e de outros valores ligados ao delito de lavagem. Aprofundando a análise, Capez deu exemplos dessa abordagem em relação ao aspecto subjetivo dos atos de lavagem de dinheiro, principalmente quanto às condutas de ocultar e dissimular. “A lei trata da necessidade do dolo direto. Quisesse o legislador adotar o dolo eventual, ele teria dito claramente: ‘sabe ou deve saber [o ocultador ou dissimulador] ser origem de infração penal’. Como o legislador omitiu o ‘deve saber’, nós devemos interpretar a lei na literalidade das condutas de ocultar e dissimular, o que pressupõe certeza, ciência da origem ilícita”, explicou o procurador licenciado. Ainda sobre a importância de se ater ao que diz o texto da lei, Capez falou sobre o princípio da confiança no âmbito da Lei de Lavagem. “Está fora do âmbito da proteção da norma exigir, por exemplo, que um gerente de banco faça todas as diligências possíveis para apurar se aquele produto que ele está recebendo tem origem ou não em infração penal. Se aquilo não tem uma aparência clara de infração penal, não é dever do gerente fazer maiores diligências. Ele age na confiança de que seu cliente, que está trazendo os recursos, atua dentro da legalidade”, disse Capez.