A colaboração premiada é meio de obtenção de prova sustentada na cooperação de pessoa suspeita de envolvimento nos fatos investigados, buscando levar ao conhecimento das autoridades responsáveis pela investigação informações sobre organização criminosa ou atividades delituosas, sendo que essa atitude visa à amenizar da punição, em vista da
relevância e eficácia das informações voluntariamente prestadas.
Segundo Renato Brasileiro, a colaboração premiada é caracterizada como:
(…) técnica especial de investigação por meio da qual o coautor ou partícipe da infração penal, além de além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.[1]
Destarte, tem-se que a colaboração premiada prevista pela legislação brasileira, tal como ocorre na plea bargain, prevê que o investigado ou réu assuma a culpa em relação a uma determinada prática delitiva.
Numa outra perspectiva, a colaboração premiada, além de técnica especial de investigação, pode ser vista como uma estratégia da defesa do colaborador – e por essa razão a doutrina afirma que o instituto possui natureza dúplice; tendo em vista que a possibilidade de celebração de acordo de colaboração premiada é um direito subjetivo do investigado. De tal modo, em face da relevância das informações por ele prestadas, pode-se alcançar alguns benefícios legais propostos pelo órgão ministerial.[2]
Quanto a esse ponto, Eugênio Pacelli defende que a escolha de se fazer acordo de colaboração premiada, a depender do estágio da investigação, pode ser a melhor alternativa para a defesa do colaborador.[3]
Os benefícios que podem ser conferidos ao colaborador de acordo com a Lei de Organizações Criminosas são: diminuição da pena em até 2/3 (dois terços) e progressão de regimes, mesmo quando a colaboração for posterior à sentença; substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direitos; sobrestamento do prazo para oferecimento da denúncia ou suspensão do processo; por fim, poderá contar com o perdão judicial e até mesmo conseguir o maior benefício possível: o perdão ministerial, nos moldes do art. 4º, § 4º, da LCO, o qual se caracteriza pelo não oferecimento de denúncia pelo Ministério Público.[4]
Acerca da colaboração premiada como um direito subjetivo do colaborador, deve-se tecer alguns esclarecimentos: o Ministério Público ou até mesmo a entidade policial, quando esta participar da negociação do acordo, não são obrigados a aceitarem todas as propostas de colaboração premiada que chegam à sua mesa.
Isso porque as informações trazidas pelo colaborador à investigação devem seguir a regra da eficácia objetiva da colaboração premiada, ou seja, precisam ser relevantes, preferencialmente novas, e permitirem a identificação a identificação de uma trama criminosa:
Em todas as hipóteses acima citadas de colaboração premiada, para que o agente faça jus aos benefícios penais e processuais penais estipulados em cada um dos dispositivos legais, é indispensável aferir a relevância e a eficácia objetiva das declarações prestadas pelo colaborador. Não basta a mera confissão acerca da prática delituosa. Em um crime de associação criminosa, por exemplo, a confissão do acusado deve vir acompanhada do fornecimento de informações que sejam objetivamente eficazes, capazes de contribuir para a identificação dos comparsas ou da trama delituosa.Por força da colaboração, deve ter sido possível a obtenção de algum resultado prático positivo, resultado este que não teria sido alcançado sem as declarações do colaborador.[5]
Assim em conformidade com o art. 4º da Lei nº. 12.850/2013, as informações prestadas em sede de colaboração premiada precisam permitir: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Percebe-se, pois, que a celebração de colaboração premiada não constitui um direito subjetivo do colaborador: esse só se caracteriza com a possibilidade de celebração de acordo de colaboração premiada, sendo que o respectivo acordo só será realizado se cumpridos todos os requisitos estipulados pela Lei, e se, após análise de conveniência e oportunidade da obtenção de novas informações pelo órgão investigador (eficácia objetiva da colaboração premiada), houver a conclusão de que as informações colhidas poderão ser úteis.
Quanto à nomenclatura do instituto da colaboração, para alguns autores, dentre eles Renato Brasileiro, Luiz Flávio Gomes, Marcelo Rodrigues da Silva e Vladimir Aras, há sutis diferenças entre os termos colaboração premiada e delação premiada, sendo a primeira, gênero e a segunda uma das espécies de colaboração previstas pela lei.[6]
Vladimir Aras, inclusive, defende que existem quatro espécies de colaboração premiada:
Espécie de técnica especial de investigação, a colaboração premiada tem quatro subespécies: a) “delação premiada”; b) “colaboração para libertação”; c) “colaboração para localização e recuperação de ativos”; e d) “colaboração preventiva”. Na modalidade “delação premiada”, o colaborador expõe as outras pessoas implicadas no crime e seu papel no contexto delituoso, razão pela qual o denominamos de agente revelador. Na hipótese de “colaboração para libertação”, o agente indica o lugar onde está a pessoa sequestrada ou o refém. Já na “colaboração para localização e recuperação de ativos”, o autor fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos à lavagem. Por fim, há a “colaboração preventiva”, na qual o agente presta informações relevantes aos órgãos de persecução para evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita. Em todas essas subespécies, o colaborador deve oferecer informações minuciosas e precisas, inclusive sobre o modus operandi dos coimputados e o iter criminis.[7]
A LOC traz em seus tipos penais a expressão colaboração premiada. A escolha terminológica feita por via legislativa é pragmática e mais adequada à luz do Direito Processual Penal, uma vez que, além de conferir maior generalidade ao instituto, procura não trazer a carga negativa que o uso da expressão colaboração premiada carrega.[8]
Quanto à natureza jurídica processual da colaboração premiada, viu-se que essa é encarada como uma técnica especial de investigação para os acusadores e como uma estratégia de defesa para os acusados.
Todavia, vendo a natureza jurídica material da colaboração premiada, inspirada nos conceitos típicos do Direito Civil, sobretudo em relação à Teoria do Fato Jurídico, essa pode ser encarada como um negócio jurídico[9].
Sobre a sua natureza material, Didier afirma que:
Em síntese, a colaboração premiada prevista na Lei n. 12.850.2013 é (i) ato jurídico em sentido lato, já que a exteriorização de vontades da parte é elemento cerne nuclear do seu suporte fático; (ii) é negócio jurídico, pois a vontade atua também no âmbito da eficácia do ato, mediante a escolha, dentro dos limites do sistema, das categorias eficaciais e seu conteúdo; (iii) é negócio jurídico bilateral, pois formado pela exteriorização de vontade de duas partes, e de natureza mista material e processual), haja vista que as consequências jurídicas irradiadas são de natureza processual e penal material; (iv) é contrato, considerando a contraposição dos interesses envolvidos.[10]
Sendo um negócio jurídico, exteriorizada pela manifestação de vontade de ambas partes, esta última deve ser válida e realizada de maneira voluntária, sem quaisquer tipos de coações ou ameaças.[11]
Acerca da necessidade da exteriorização da vontade se dar de maneira voluntária, tem-se que a manifestação de vontade presente na confissão também pode se realizar de forma espontânea. A diferença entre essas duas modalidades de manifestação se resume ao fato de que a primeira pode sofrer pressões ou influências de agentes externos, enquanto na segunda o colaborador toma a decisão livremente, sem levar em consideração quaisquer pressões sofridas.[12]
Por essa razão, para se averiguar a legalidade, regularidade e voluntariedade da colaboração, a LCO exige em seu art. 4, § 6º, que os acordos de colaboração premiada devem ser homologados pelo Poder Judiciário:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
Antes da homologação da colaboração premiada pelo Judiciário, e em razão da natureza contratual do acordo, as partes podem se retratar da proposta, sem que, contudo, “as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”, na dicção do parágrafo 10 do art. 4º da LCO.
Sobre a retratabilidade do acordo de colaboração premiada, Didier fundamenta que:
A retratação é a exteriorização de vontade do sujeito que tem como efeito extinguir situação jurídica decorrente de uma sua anterior exteriorização de vontade negocial. É o exercício de se arrepender do negócio. A retratação é, pois, negócio jurídico unilateral que tem, em regra, eficácia ex tunc, ou seja, ela opera a deseficacização da vontade anterior. Os efeitos que já tiverem sido irradiados serão desconstituídos, se possível; os efeitos ainda pendentes não mais serão produzidos. Em termos práticos, funciona como se a primeira vontade não tivesse sido exteriorizada, porque se possibilita ao sujeito arrepender-se do negócio.[13]
Por fim, a LOC, ao estabelecer uma série de garantias acerca dos direitos individuais do investigado que decide realizar colaboração premiada, tais como: medidas de proteção ao colaborador e à sua família, preservação de dados pessoais do colaborador, cumprimento de eventual pena privativa de liberdade em estabelecimento diverso dos demais corréus delatados, dentre outras medidas; proporcionaram diretamente o aumento do número de acordos realizados, uma vez que o réu ou o investigado, diante de garantias dadas pela Lei, sente-se mais seguro para delatar.[14]
Somado a tal fator, a previsão do art. 6º da LOC, que determina a forma e o conteúdo que cada acordo de colaboração premiada deve ter, permitiu que o colaborador tivesse maior segurança jurídica no que tange o devido cumprimento legal do acordo firmado com o Ministério Público.