O direito de empresas poderem explorar atividades econômicas é garantido pela Constituição Federal e expresso pelo princípio da livre iniciativa, e para que ele seja efetivado é obrigação de toda a sociedade respeitá-lo.
Para os particulares, a lei considerará algumas práticas de concorrência como ilícitas, trazendo sanções a serem imputadas.
Uma das hipóteses de concorrência ilícita é a concorrência desleal, tema tratado neste texto, abordando quais atitudes se enquadram nesses atos passivos de sanção.
Como identificar a concorrência desleal?
O motivo pelo qual a lei brasileira pune a concorrência desleal, é porque essa lesiona o direito e os interesses do empresário vítima daquela ação.
Na livre concorrência é muito comum que as atitudes dos empresários sejam no intuito de aumentar a clientela, e isso, em prejuízo de concorrentes dedicados ao mesmo segmento de mercado.
O efeito necessário desta competição é o benefício de uma empresa e o prejuízo de outra, pois na concorrência os empresários claramente objetivam infligir perdas a seus concorrentes, pois assim obtém seus ganhos.
Por isso, não é simples diferenciar a concorrência leal da desleal. Em ambas, o empresário tem o objetivo de “prejudicar” os concorrentes, conquistando total ou parcialmente, os consumidores que tinham fidelizado.
Ou seja, a intenção de causar dano a outro empresário é elemento presente tanto na concorrência lícita como na ilícita. Então como distinguir?
A diferença entre elas está no meio empregado para conquistar a preferência dos consumidores.
São os meios empregados para a realização dessa finalidade que as distinguem. Há meios corretos e meios incorretos de cativar consumidores, em detrimento dos concorrentes.
Desse modo, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário, poderemos identificar a deslealdade competitiva.
- Classificando a concorrência desleal:
Pela doutrina brasileira, pode-se classificar a concorrência desleal em duas categorias: a específica, que se traduz pela tipificação penal de condutas lesivas aos direitos de propriedade intelectual que os empresários possuem (tais como os direitos sobre marcas, patentes, título de estabelecimento, nome empresarial); e a genérica, que corresponde à responsabilidade extracontratual.
Desse modo, as práticas empresariais tipificadas como crime de concorrência desleal são encontradas no art. 195 da Lei n. 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.
Podemos destacar entre elas:
- Publicar, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;
- Prestar ou divulgar, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;
- Empregar meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
- Usar expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;
- Usar, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;
- Substituir, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;
- Dar ou prometer dinheiro ou outra utilidade a empregado do concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;
- Divulgar, explorar ou utilizar, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
Desse último tópico, se excluem as informações que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto.
A pena imposta pela lei para esse tipo de conduta é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
A segunda categoria de concorrência desleal, é chamada de genérica, que não são tipificadas como crime, mas geram o direito à indenização por perdas e danos, sendo encontrada no art. 209 da Lei 9.279/1996.
Assim dispõe o caput do artigo:
Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
Ou seja, mesmo os atos que não estejam dispostos como crimes de concorrência desleal, ainda garantem ao empresário lesado o pedido de reparação de danos, basta que se comprove o prejuízo aos seus negócios ou a confusão entre os estabelecimentos comerciais e seus produtos.
Para a modalidade de concorrência desleal genérica, será possível o pedido de reparação quando caracterizado meio imoral, desonesto ou condenado pelas práticas usuais dos empresários.
Fique atento às seguintes situações de concorrência desleal:
1. Difamação de concorrência
Situações em que um dos empresários publicam em suas redes um boato difamatório acerca de seu concorrente, e como resultado, o empresário concorrente acaba sendo “cancelado”.
Isso incorre em um ato de concorrência desleal, pois ao difamar a outra empresa, a empresa difamadora obtém vantagem indevida na oferta de seus produtos ou serviços, lesando seu competidor.
Exemplo disso, são empresas que contratam os chamados “odiadores” (haters). São pessoas que, mediante remuneração paga pelo concorrente, começam a espalhar, pelas redes sociais e sites, informações negativas sobre determinado produto ou empresa.
Muitas vezes, quem promove essa divulgação negativa não é o próprio empresário concorrente, que procura se preservar, mas pessoas que, embora não tenham vínculo formal de subordinação, agem por ordem dele.
Nesse caso, é maior a dificuldade de provar a relação, mas, uma vez estabelecida a ligação entre quem propagou a falsa informação e o mandante, se caracteriza a concorrência desleal.
Lembramos que, embora a difamação configure um ato de concorrência desleal, a jurisprudência tem aceito a realização de publicidade chamada “comparativa” sem que se configure um ato ilícito.
Nesta modalidade, uma empresa compara os seus produtos ou serviços com outros já consolidados no mercado. Mas, lembre-se: a comparação deve ser bem objetiva e servir apenas como parâmetro ao consumidor.
2. Violação da marca e outros ativos da propriedade industrial
Situações em que há o uso da marca de uma empresa, pela outra, ou com traços bastante semelhantes, causando confusão ao consumidor e o induzindo ao erro.
Incorre em concorrência desleal, também, a violação da marca. Quando uma empresa desenvolve sua marca, a registra e cria sua identidade visual, isso pertence a empresa, não podendo ser usada de forma a confundir os consumidores.
A violação de marca é considerada ato de concorrência desleal, pois acarreta na confusão do consumidor e no desvio de clientela.
Para além disso, não são apenas as marcas que são protegidas contra essas violações, outros ativos de propriedade industrial, como patentes ou desenhos industriais também estão assegurados.
O conceito dessas violações inclui: a utilização indevida de qualquer ativo de propriedade industrial ou, mesmo, a simples imitação de sinais registrados como marca.
Para se garantir, a forma mais eficaz de evitar uma condenação acidental neste sentido é registrar a sua marca ou depositar sua patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e, assim, garantir o seu uso.
Ainda assim, ressaltamos que a jurisprudência protege o conjunto-imagem, ou o chamado trade dress dos produtos e serviços, de modo que mesmo que a marca não esteja registrada, poderá se valer das sanções descritas em lei.
3. Concorrência parasitária
Situações em que a empresa concorrente passa a vender um produto parecido, só que com preço menor, para quem não tem condições de comprar um original.
O maior perigo dessa modalidade é que ela se apresenta de forma menos agressiva e se instala sorrateiramente, com isso a empresa parasitária obtém a clientela com pouco esforço, apenas se aproveitando do sucesso de alguém.
Nesses casos, o objetivo não é “roubar” a clientela dos outros concorrentes, mas se aproveitar da popularidade de suas marcas para oferecer produtos semelhantes.
Na maioria das vezes, o consumidor e o vendedor têm certeza da não originalidade dos produtos, não se trata de propaganda enganosa, mas compram ou contratam em razão do baixo custo comparado com os produtos originais.
De qualquer forma, é considerado um ato de concorrência desleal, tanto pela violação da propriedade intelectual, quanto pela vantagem ilícita adquirida.
4. Violação de cláusula anti-concorrência
Situação em que uma pessoa interna da sua empresa, que detém o conhecimento de suas estratégias, fornecedores e clientes, sai da empresa e passa a ser contratada pelo seu concorrente.
As cláusulas anti-concorrência determinam um prazo para que o indivíduo não exerça concorrência ou que trabalhe para os seus concorrentes, protegendo as informações essenciais do seu negócio.
Esta cláusula pode ser aplicada em diversos tipos de contratos, como prestações de serviços diversos, contratos de franquias, contratos de trabalho, relações societárias e em contratos de alienação de estabelecimento comercial.
Importante que haja essa cláusula expressa no contrato, mesmo que através de aditivos, para garantir essa segurança.
É recomendável que o prazo estabelecido seja razoável e o suficiente para impossibilitar o benefício da concorrência, evitando prazos muito longos que possam trazer abusividade à cláusula, a invalidando.
Havendo a violação da cláusula, os prejuízos são presumidos e não precisam ser efetivamente provados em uma ação judicial.
Conclusão
Como vimos, a concorrência desleal se diferencia da leal no tocante ao meio empregado pelo empresário para conquistar clientela de outro.
O que importa são os meios adotados – e não a intenção do ato ou seus efeitos – que definem a ilicitude da prática concorrencial.
As situações de concorrência desleal podem incorrer em crimes, quando específicas, e em ação judicial para reparação por dano material e moral, quando genéricas.
Por isso, é sempre indispensável o empresário ter a seu favor uma equipe jurídica que oriente nessas situações, podendo sinalizar a possibilidade de concorrência desleal, limitando as atitudes dos concorrentes àquilo que é honesto e moral, sem infringir a concorrência lícita entre os negócios.
Autora: Ana Paula