Neste artigo é colocado luz sobre a construção conceitual da Contrainteligência pelos órgãos e instituições governamentais brasileiros. Este trabalho teórico é relevante pois fornece o embasamento para uma demonstração objetiva desta atividade.
Contrainteligência no governo Fernando Henrique Cardoso
Na atual fase da Atividade de Inteligência no Brasil, em especial a Contrainteligência – CI, é possível entender os desafios que vem enfrentando, a começar pela forma legislativa que vem sendo tratada. Em primeiro lugar, no período do governo de Fernando Henrique Cardoso – FHC, a Lei nº 9.883/99, no § 3º, do art. 1º, trouxe a seguinte definição:
“Art. 1º. Omissis
(…)
§ 3º Entende-se como contrainteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa.”
Após a promulgação da lei mencionada anteriormente, ainda houve lacunas que não permitia a real compreensão do serviço desempenhado pela Contrainteligência, assim, ainda no período de governo federal de FHC, institui-se regulamento através do Decreto nº 4.376 de 13 de setembro de 2002, no art. 3º, a qual abarcou novos conceitos para atividade em tela. Veja:
“Art. 3º Entende-se como contrainteligência a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a inteligência adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem.”
Sendo a atividade de Contrainteligência uma ferramenta necessária para salvaguarda das informações e operações sensíveis ao Estado e a Sociedade, assim como pela sua prerrogativa de atuação conforme a lei, foi necessário a regulamentação do Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso Nacional, através da Resolução nº 2 -CN, de 22 de novembro de 2013, adotou também conceito de Contrainteligência para nortear seus trabalhos de supervisão. Veja:
“Art. 2º. Omissis
(…)
§ 7º Para fins do controle e da fiscalização previstos nesta Resolução, entende-se contrainteligência como a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a inteligência adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem, sendo função inerente à atividade de inteligência, dela não podendo ser dissociada.”
A resolução traz um conceito em consonância com o Decreto nº 4.376/02, contudo, realizar certa hermenêutica, concluindo-o às ações da atividade desenvolvida pelo Estado na forma contrainteligência como uma especialização da Atividade de Inteligência. O que deve se observar é a formulação metodológica do Serviço de Inteligência.
A Contrainteligência e a Política Nacional de Inteligência
Além desse conceito, vale citar a última Política Nacional de Inteligência de 2016 (PNI), instituído pelo Decreto nº 8.793 de 29 de junho de 2016, em seu anexo I, que também abordou conceito de Contrainteligência para a implantação da PNI e ações precípuas do Agência Brasileira de Inteligência – Abin. Veja:
“II – Contrainteligência: atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado.”
A PNI consolida o entendimento de que Contrainteligência é uma segunda especialização da Atividade de Inteligência de Estado. Por fim, podemos compreender das legislações ora mencionadas, que a Contrainteligência é o método utilizado para exercer atribuições de produção de conhecimentos e execução de ações específicas que protegerão dados e conhecimentos sensíveis, bem como à atividade do plano operacional de determinada Instituição, relativa ao ramo de atuação, que recebem a classificação de sigilo e detém o interesse do Estado e da Sociedade.
O conceito de contrainteligência é o primeiro desafio enfrentado pelo serviço, uma vez que suas funções necessitam ser objetivas e elucidadas aos órgãos de controle e judiciário, para que não sejam frustradas ou mal compreendidas, em razão das lembranças provocadas à época da Atividade de Inteligência no período de regime de exceção no Brasil.
Apesar de ser indispensável ao Estado o uso da Contrainteligência, o Poder Legislativo no âmbito federal, necessita que o desempenho da atividade em questão realizará sua função em prol da Democracia, República e Nacional, para que de fato os recursos que serão liberados pelo Congresso Nacional seja suficiente para sua plena implementação e execução por toda a nação, através da Agência Brasileira de Inteligência, principalmente, em um breve panorama, pela evolução das ações de crimes cibernéticos, articulações de agentes públicos e políticos com o crime organizado, espionagem por atividade de inteligência diversa, proteção das informações sensíveis do alto escalão do governo, infiltração em território nacional para coleta de pesquisa em biomas brasileiros e entre outros.
Diante disso, levando-se em conta a extensão territorial brasileira, o orçamento destinado à ABIN para ações de Contrainteligência necessitaria de ajustes para cobrir todo o território nacional. Além de manter a confidencialidade, sigilo e segurança necessárias para garantir os interesses da sociedade. Ademais, o que precisa estar esclarecido é que a Abin é tão necessária para o tratamento, proteção e resposta por Contrainteligência quanto determinado Ministério que detém a informação ou operação sensível aos interesses do Estado.
Apesar do desafio da imagem das ações de contrainteligência e o orçamento que lhe é destinada, também há problemas com a forma legislativa, que a CI está submissa ao Princípio da Legalidade. Dessa forma, podendo apenas atuar na permissividade da lei para obter dados, informações e realizar operações clássicas que neutralize Inteligência adversa. Portanto, acredita-se que o desafio da Abin em usar a CI no Brasil também pode ser encontrada, quando há atuação de Inteligência de País Estrangeiro adversa e licenciada por sua legislação nacional para realizar o que no Brasil é ilegal.
Com isso, conclui-se que a legislação brasileira, que submete a Abin ao Princípio da Legalidade, é um desafio para a Contrainteligência, no tocante à sua efetividade, quando há atuação de Inteligência estrangeira que não tem compromisso com a legislação local. Deva considerar que há atuação de inteligência adversa que a única forma é ação de contrainteligência clássica que não há permissão da lei ou se ainda houver oportunidade para isso, está a mercê de controle judicial e externo, que também se pautará em seu julgamento o ordenamento jurídico brasileiro vigente.
Isso significa que o Congresso Nacional precisa rever os textos de Lei que estão sendo empregados ao comportamento e atuação da Abin no uso da Contrainteligência, se não teremos um país com inúmeros brasileiros recrutados por Inteligência estrangeiras, colocando a soberania nacional em risco e bem como as principais riqueza da nação, como a fauna, flora, pesquisa e materiais que são oriundos unicamente do Brasil. Para isso, numa primeira abordagem, acredita-se que para que não haja a repetição do cenário do período de Governo de Exceção, o uso da Contrainteligência pela Abin tem que estar submissa à preservação da República Democrática, Soberania Nacional e Interesse Público coletivo.
Em países que foram protagonistas de guerras mundiais ou aliados de minorias políticas de países que procuravam por guerra civil livrar-se de governos ditatoriais, como o Estados Unidos da América, Inglaterra e entre outros, tiveram a oportunidade de demonstrar aos seus cidadãos a importância de Contrainteligência para vencer ameaças internas e externas, expandindo esse conhecimento, inclusive, no âmbito corporativo das grandes Empresas e Indústrias. Para a Contrainteligência, no Brasil, neste aspecto, encontra-se outro desafio, a saber enfrentar a contrapropaganda do serviço de inteligência.
Para isso, a Abin, como exemplo, por meio da Portaria nº 463/2012, que institui a Ética Profissional do Servidor da Abin, permite realizar certa propaganda do Serviço de Inteligência brasileiro, são objetos como esse que deixará claro ao cidadão de que lado os usos da atividade de inteligência os beneficiará, em sentido amplo, isto é, a proteção da nação e de sua liberdade econômica, religiosa, de expressão e demais outras oriundas dos princípios republicano e democrático. Consigna-se ainda que são contribuições para dar uma maior segurança jurídica e diretrizes claras às ações de Contrainteligência.
Esse desafio é enfrentado diariamente, ainda mais, diante dos formadores de opinião que tiveram ligação direta ou indireta com os serviços secretos do Brasil no período do Regime Militar. Portanto, para que não seja dado vitalidade a esses tipos de formadores de opinião, o Serviço de Contrainteligência deve ser estritamente apartidário e objetivo, adotando medidas para não haver interferências político-partidárias e salvaguarda seu produto por Lei, para Gehlen. (1972).
Contudo, é necessário apenas esclarecer que não é possível dissociar a vida do homem da política, de acordo com o filósofo Aristóteles (2007), mas certamente o homem deverá seguir a política de compromisso com patriotismo, discrição, boa-fé e humanismo, pois o produto gerado pela contrainteligência se destina à autoridade governamental, a fim de assessora-lo, e esse compromisso deve ser garantido com integridade desse produto e com a ampliação da influência do país no mundo.
Por fim, para este último desafio da atividade de Contrainteligência, será primordial a justificação de sua razão de ser/atuar puder remontar a um fim cujo propósito seja a existência do próprio indivíduo ou cidadão ou da sociedade, visto que a prática da atividade de contrainteligência poderá implicar em procedimento, ações e técnicas invasivas, ou seja, que ameaçam ou que têm o potencial de violar os direitos individuais, como a privacidade.
Referências
ARISTÓTELES. Política. São Paulo, SP: Martin Claret, 2007.
Atividade de inteligência no Brasil. – Brasília: Agência Brasileira de Inteligência, 2020. 5 v. – (Cadernos de Legislação da Abin; n. 3)
BRASIL – Código de Ética Profissional do Servidor da Agência Brasileira de Inteligência, aprovado pela Portaria nº 463, de 7 de dezembro de 2012.
BRASIL. Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002.
BRASIL. Decreto nº 8.793, de 29 de julho de 2016.
BRASIL. Decreto nº 8.793, de 29 de julho de 2016. Anexo I
BRASIL. Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.
Brasil. Resolução nº 2, de 25 de novembro de 2013 – CN.
GEHLEN, Reinhard. O Serviço Secreto. Rio de Janeiro: Bibliex, 1972. 225 p.
Notas
¹BRASIL. Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.
²BRASIL. Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002.
³Brasil. Resolução nº 2, de 25 de novembro de 2013 – CN.
⁴BRASIL. Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002.
⁵BRASIL. Decreto nº 8.793, de 29 de julho de 2016.
⁶BRASIL. Decreto nº 8.793, de 29 de julho de 2016. Anexo I
⁷BRASIL – Código de Ética Profissional do Servidor da Agência Brasileira de Inteligência, aprovado pela Portaria nº 463, de 7 de dezembro de 2012.
⁸GEHLEN, Reinhard. O Serviço Secreto. Rio de Janeiro: Bibliex, 1972. 225 p.
⁹ARISTÓTELES. Política. São Paulo, SP: Martin Claret, 2007.
¹⁰Atividade de inteligência no Brasil. – Brasília: Agência Brasileira de Inteligência, 2020. 5 v. – (Cadernos de Legislação da Abin; n. 3)
Autor: Murilo Chimenes Sales Peres
Artigo produzido para o Módulo 04 do Curso de Pós-Graduação Inteligência Estratégica de Estado – 2020
Professor: Renato Pires – Especialista em Inteligência
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