Do delito de espionagem no artigo 359-K do Código Penal

A democracia constitui um dos pilares fundamentais das sociedades modernas, sendo sua tutela imprescindível à preservação dos direitos e liberdades individuais.

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Dentre as ameaças que se apresentam à integridade democrática, destaca-se a espionagem, que consiste na obtenção e divulgação indevida de informações sigilosas, capazes de comprometer a segurança e a soberania do Estado. No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o artigo 359-K do Código Penal disciplina diretamente a conduta, reforçando as repercussões jurídicas que afetam a estabilidade da soberania nacional e a ordem democrática.

Este texto tem por objetivo proceder à análise técnica do dispositivo legal, bem como comparando-o com os ordenamentos jurídicos da Espanha e da Alemanha. Para tanto, serão observadas as peculiaridades de cada regime, evidenciando suas convergências e divergências no trato do crime de espionagem, com especial ênfase na proteção da soberania estatal e da ordem democrática.

Contexto da criação da Lei 14.197/2021

A legislação foi discutida em um momento de crescente preocupação com ataques à democracia e ao Estado semocrático de Direito, e sua aprovação marcou o fim da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), que era considerada obsoleta, pois havia sido promulgada durante o regime militar. O artigo 1º da Lei 14.197/2021 estabelece:

“Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para revogar a Lei de Segurança Nacional, instituir os crimes contra o Estado Democrático de Direito e incluir, no Código Penal, os crimes de atentado à soberania nacional, de espionagem e de insurreição.”

A Lei nº 14.197/2021 foi promulgada em um contexto de intensos debates acerca da necessidade de proteger o Estado contra novas modalidades de ameaça, particularmente no ambiente digital. A inserção do artigo 359-K no Código Penal refletiu a adequação do Brasil às legislações internacionais que visam fortalecer a segurança cibernética, bem como a proteção contra atividades de espionagem e ataques à ordem democrática.

Esses delitos têm se tornado cada vez mais frequentes em um cenário global marcado por interconexões tecnológicas e crescentes riscos à soberania estatal e à integridade das instituições democráticas. A motivação legislativa se deu por meio de dois fatores principais:

  1. A proteção do Estado democrático de Direito: Diante de ameaças crescentes à democracia, era imperativo modernizar a legislação penal brasileira.
  2. A segurança contraespionagem e ciberataques: As tecnologias modernas possibilitaram novas formas de obtenção de segredos de Estado, tornando a criação de legislações mais específicas uma prioridade

Artigo 359-K do Código Penal

O comportamento típico foi instituído por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, que alterou o Código Penal Brasileiro, revogando os crimes contra a segurança nacional e instituindo novos crimes contra o Estado democrático de Direito. A lei foi aprovada em resposta à necessidade de atualizar as legislações brasileiras que estavam desatualizadas frente às novas ameaças globais, como ciberespionagem, vazamento de dados sigilosos e outras formas de ataque à soberania. A redação do tipo dispõe que:

“Obter ou divulgar, indevidamente, para o fim de atentar contra a soberania nacional, segredos de Estado ou informações sensíveis das áreas de defesa, segurança, inteligência ou relações exteriores: Pena – reclusão, de três a 12 anos.”

O artigo 359-K teve sua gênese como resposta à crescente preocupação com as ameaças cibernéticas e à necessidade de proteção das informações estratégicas, cuja divulgação ou obtenção indevida pode comprometer a estabilidade do Estado e a segurança de seus cidadãos. Essa disposição legal visa tutelar a integridade das estruturas estatais, especialmente em um cenário de avanços tecnológicos, onde a vulnerabilidade das informações sensíveis aumenta significativamente, colocando em risco a soberania nacional e a ordem pública.

Análise dos elementos do artigo 359-K do Código Penal

a) Bem jurídico tutelado

O bem jurídico protegido é a soberania nacional e a segurança do Estado. A norma penal buscou assegurar a integridade das informações estratégicas relacionadas à defesa, segurança, inteligência e relações exteriores, cuja revelação indevida poderia causar prejuízos à ordem interna e externa do Estado brasileiro, afetando, consequentemente, a sua estabilidade e a proteção de seus cidadãos.

b) Sujeito ativo

O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, sem restrição quanto à nacionalidade ou vínculo com o Estado. Ou seja, tanto brasileiros quanto estrangeiros podem ser autores do delito, desde que sua conduta consista em obter ou divulgar indevidamente informações sigilosas com a finalidade de atentar contra a soberania nacional.

c) Sujeito passivo

O sujeito passivo direto do crime é o Estado, uma vez que o delito afeta diretamente a segurança e a soberania nacional. Indiretamente, toda a coletividade é considerada sujeito passivo, na medida em que o comprometimento da ordem democrática e da segurança nacional repercute em prejuízos à sociedade como um todo.

d) Tipo objetivo

O tipo objetivo do crime previsto no artigo 359-K consiste em duas condutas alternativas:

Obter: refere-se à ação de apoderar-se, de qualquer forma, de segredos de Estado ou informações sensíveis nas áreas de defesa, segurança, inteligência ou relações exteriores.

Divulgar: trata-se da ação de tornar públicas ou transmitir, a terceiros, informações ou segredos de Estado obtidos de maneira indevida.

Ambas as condutas exigem que a obtenção ou divulgação seja indevida, ou seja, sem autorização ou em desconformidade com a legislação aplicável à proteção de tais informações.

e) Elemento subjetivo

O elemento subjetivo exigido é o dolo específico, ou seja, a intenção do agente de atentar contra a soberania nacional. Não basta a mera obtenção ou divulgação de informações; é necessário que o agente atue com o propósito específico de causar dano à soberania do Estado, seja prejudicando suas funções internas, seja comprometendo suas relações internacionais ou sua segurança externa.

f) Tipo subjetivo: finalidade

O crime tipificado exige uma finalidade especial: a obtenção ou divulgação deve ser voltada para atentar contra a soberania nacional. Este requisito distingue o delito de outras formas de obtenção ou divulgação de informações sigilosas, caracterizando-o como um ataque direto à segurança do Estado e à ordem democrática.

g) Consumação e tentativa

O crime se consuma com a efetiva obtenção ou divulgação das informações sigilosas, independentemente de eventuais prejuízos concretos causados ao Estado. No entanto, a tentativa é perfeitamente admissível, nos termos do artigo 14, inciso II, do Código Penal, quando o agente inicia os atos de execução, mas não atinge a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade.

h) Pena

A pena cominada ao crime é de reclusão de três a 12 anos, o que demonstra a gravidade da conduta prevista. O legislador buscou estabelecer uma sanção severa, considerando o elevado grau de lesividade da conduta para a soberania e a segurança do Estado.

O artigo 359-K do Código Penal expressa uma preocupação latente com a tutela das informações estratégicas do Estado, especialmente frente às novas ameaças cibernéticas e ao crescente grau de interconectividade global.

A tipificação penal das condutas que envolvem a obtenção e a divulgação indevida de segredos de Estado, desde que realizadas com o dolo específico de atentar contra a soberania nacional, representa uma resposta legislativa adequada aos desafios impostos pela contemporaneidade.

Nesse contexto, a norma visa resguardar de maneira mais eficiente e abrangente a segurança nacional, bem como assegurar a proteção das instituições democráticas, frente às ameaças complexas que comprometem a estabilidade do Estado e sua soberania.

Legislação comparada: Espanha e Alemanha

a) Espanha: o crime de espionagem no Código Penal espanhol

O Código Penal espanhol também trata do crime de espionagem em seus artigos 584 a 588, no capítulo de crimes contra a segurança do Estado. O artigo 584, por exemplo, descreve o crime de espionagem com o seguinte teor:

O que, com a intenção de prejudicar a segurança do Estado, fornecer informações secretas ou confidenciais sobre defesa nacional a uma potência estrangeira será punido com prisão de 6 a 12 anos.” (Código Penal Espanhol, art. 584)

Na Espanha, o foco também está na intenção de prejudicar a segurança nacional, e a punição é agravada quando o ato envolve potências estrangeiras. Além disso, há uma ênfase na cooperação internacional para combater a espionagem.

b) Alemanha: o Código Penal alemão e a proteção da democracia

A legislação alemã aborda a espionagem em seus artigos 93 a 100 do Strafgesetzbuch (Código Penal Alemão), especificamente no que diz respeito à traição e à segurança do Estado. O artigo 94 trata da traição e espionagem, punindo com até 10 anos de prisão aqueles que obtêm ou divulgam informações sigilosas com a intenção de prejudicar a Alemanha ou beneficiar um governo estrangeiro.

“Aquele que, com o propósito de prejudicar a República Federal da Alemanha, obtiver, divulgar ou permitir o acesso de terceiros a segredos de Estado, será punido com pena de prisão de até 10 anos.” (Strafgesetzbuch, art. 94).

Na Alemanha, assim como no Brasil e na Espanha, a intenção de prejudicar a segurança do Estado é elemento essencial do crime de espionagem, e há severas punições para quem compromete a soberania nacional.

Há semelhanças claras entre as legislações brasileira, espanhola e alemã em relação ao crime de espionagem, especialmente no que diz respeito à intenção de comprometer a segurança nacional e a soberania do Estado. No entanto, algumas diferenças podem ser observadas:

Grau de punição: as penas no Brasil variam de 3 a 12 anos, enquanto na Espanha variam de 6 a 12 anos e na Alemanha podem chegar a até 10 anos. Assim, o Brasil possui uma faixa penal mais flexível.

Foco em potências estrangeiras: na legislação espanhola e alemã, o envolvimento de potências estrangeiras agrava o crime, algo que não é explicitamente mencionado no texto brasileiro, embora a intenção de atentar contra a soberania nacional seja o ponto central.

Cibersegurança: Em todos os três países, a crescente ameaça de ataques cibernéticos tem impulsionado revisões nas legislações para incluir proteção contra crimes digitais, que podem comprometer informações sensíveis e estratégicas de Estado.

O crime de espionagem é uma ameaça direta à segurança e à soberania dos Estados democráticos. O artigo 359-K do Código Penal brasileiro buscou proteger a democracia e a soberania nacional ao punir a obtenção e divulgação indevida de segredos de Estado.

A comparação com as legislações espanhola e alemã revela que, apesar de diferenças nas faixas de punição e na ênfase em potências estrangeiras, há uma preocupação comum com a proteção da ordem democrática e da segurança nacional. O fortalecimento da legislação contra a espionagem, principalmente com o avanço das tecnologias digitais, é essencial para assegurar que estados democráticos estejam protegidos contra ameaças externas e internas.

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