A interpretação do termo “fraude” usado na Constituição Federal como hipótese de impugnação de mandato eletivo deve ser aquela que inclui toda e qualquer simulação usada para interferir ou criar embaraços ao voto, com influência na isonomia entre os candidatos.
Com essa premissa, o Tribunal Superior Eleitoral classificou como grave fraude eleitoral a conduta de Alex Carniel (PP), prefeito eleito de Garibaldi (RS) em 2020 depois de usar verba eleitoral para espionar adversários políticos e produzir vídeo com informações fraudulentas.
Na noite de terça-feira (26/4), a corte negou provimento ao recurso de Alex Carniel e manteve a cassação de seu mandato, com a declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos.
A fraude à eleição foi causada pela contratação de profissionais para espionar Antonio Cettolin (MDB), então prefeito de Garibaldi, e Micael Carissimi, seu chefe de gabinete. No fim do mandato, ambos apoiavam a candidatura de Antonio Fachinelli (MDB) à prefeitura — Micael foi, inclusive, o representante legal da chapa MDBista.
A arapongagem foi feita por meio da instalação de rastreadores nos carros oficiais usados pelo prefeito e pelo chefe de gabinete, o que levou à obtenção de informações sobre a campanha e sobre a movimentação de ambas as autoridades.
Isso permitiu o registro em vídeo de um encontro de Micael com um empresário do setor de construção civil, em local público. Essas imagens foram editadas em um vídeo sensacionalista e associadas a investigações da Polícia Federal sobre crimes de corrupção e fraude a licitação.
O material foi largamente divulgado nas redes sociais e em programa de televisão do jornalista Daniel Carniel, irmão de Alex Carniel. Quando a arapongagem foi descoberta, o candidato ainda gravou vídeo negando responsabilidade e se colocando como vítima de falsas acusações.
O caso dividiu o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.
Parte dos desembargadores entendeu que a conduta, apesar de reprovável, não teria gravidade suficiente para gerar a cassação: a espionagem não envolveu candidatos ao pleito, mas apenas apoiadores; e o rastreamento destes não teria como oferecer vantagem eleitoral a ninguém.
A maioria, formada após o voto de desempate do presidente do TRE-RS, concluiu que os fatos tiveram evidente potencial de alterar o resultado da eleição. Para isso, adotou um conceito amplo de fraude, abarcando “todo e qualquer ato ilícito que, direta ou indiretamente, comprometa a regularidade do pleito e assim corrompa a vontade do eleitor”.
Gravidade evidente
Por unanimidade de votos, o Tribunal Superior Eleitoral confirmou a interpretação do TRE-RS. Relator, o ministro Carlos Horbach apontou que a conduta de Alex Carniel causou quebra da boa-fé e da ética que se esperam de qualquer candidato, o que não pode ser classificado como “indiferente eleitoral”.
“É algo que tem impacto significativo nas eleições, na perspectiva de fraude que é tomada pela jurisprudência deste tribunal num sentido bastante amplo”, defendeu.
O termo “fraude” consta do artigo 14, parágrafo 10º da Constituição Federal como um dos motivos para permitir a impugnação de mandato eletivo no prazo de 15 dias a partir da diplomação dos eleitos.
Segundo o ministro Horbach, sua interpretação “deve ser ampla a fim de que nele se subsuma toda simulação criada para interferir e criar embaraço ao voto, repercutindo na isonomia dos candidatos”.
Para o relator, a divulgação do vídeo sensacionalista teve “efeito devastador” no eleitorado, o que se comprova pelo resultado das eleições para a prefeitura de Garibaldi: Alex Carniel foi eleito com 53,68% dos votos, tendo recebido apenas 1,4 mil votos a mais do que Antonio Fachinelli.
A cidade do interior gaúcho já tem um novo prefeito. Em 3 de abril de 2022, o município fez eleições suplementares e elegeu Sérgio Chesni (PP). Fachinelli não concorreu.
REspe 0600307-10.2020.6.21.0098
REspe 0600316-69.2020.6.21.0098
é repórter da revista Consultor Jurídico.