A liberdade de locomoção é um dos direitos fundamentais garantidos aos cidadãos pela Constituição Federal. Entretanto, a lei prevê que, em determinadas situações, essa liberdade pode ser cassada, como é o caso de prisões temporárias, preventivas e condenatórias. Ainda assim, existem casos em que uma prisão é executada de forma ilegal, seja pela forma como foi realizada, por conta de quem concedeu a ordem ou a efetivou. Nesses casos, é cabível um instrumento processual chamado habeas corpus.
Para melhor compreender esse instituto, abordaremos todas as informações mais relevantes sobre o habeas corpus neste artigo. Acompanhe!
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O que é habeas corpus?
O habeas corpus é um remédio constitucional utilizado para garantir a liberdade de um indivíduo, quando ele for preso ilegalmente ou sofrer ameaça de prisão, por conta de ato ilegal ou realizado com abuso de poder.
Diante da sua importância, pois visa proteger a liberdade das pessoas, o habeas corpus está previsto na Constituição Federal, no art. 5º, inciso LXVIII, que diz:
“LXVIII – conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Além disso, as etapas processuais deste instrumento estão elencadas nos arts. 647 a 667 do Código de Processo Penal.
De acordo com suas especificações legais, o habeas corpus pode ser dividido em duas modalidades: a preventiva e a liberatório ou repressivo.
– Habeas Corpus Preventivo
O HC preventivo é utilizado nos casos em que ainda não houve privação de liberdade, mas ela está sob ameaça concreta e iminente por conta de algum ato anterior.
O habeas corpus preventivo também é chamado de “salvo conduto” e impede que um ato ilegal se concretize.
É o caso, por exemplo, quando houve a expedição de um mandado de prisão, mas existe alguma ilegalidade circundando a ordem, como a incompetência do juiz ou no caso de haver alguma nulidade processual.
– Habeas Corpus Repressivo ou liberatório
O HC repressivo, com o próprio nome indica, busca reprimir uma prisão ilegal, ou seja, é utilizado quando o ato contra a liberdade de um indivíduo já se concretizou.
Para explicar melhor, tomemos, por exemplo, um réu ou investigado preso sem as devidas provas de condições permissivas para a prisão preventiva. Neste caso, enquanto o réu ou investigado estiver preso, considera-se haver uma violação contínua ao seu direito de livre locomoção, ilegal se não preenchidos os pressupostos da prisão preventiva (modalidade de prisão autorizada antes da sentença transitada em julgado).
Em resumo, então, o habeas corpus repressivo, também chamado de liberatório, almeja a liberdade de outrem que tenha sido cassada por alguma ilegalidade ou abuso de poder.
– Habeas corpus coletivo
Além dos dois instrumentos supracitados, existe um terceiro: o habeas corpus coletivo.
O habeas corpus coletivo não é um instrumento unânime e divide opiniões. O remédio constitucional em seu aspecto coletivo refere-se a pedidos não individualizados e levantou debates quanto impetrado pela Defensoria Pública em pedido de prisão domiciliar para mães presas. Isto porque, segundo os argumentos contrários, a coletividade do instrumento impedia a análise individual das condições ilegalidade ou abuso de poder essenciais para o seu cabimento.
Qual a natureza jurídica do habeas corpus?
E embora tenha natureza constitucional, possui extrema importância sobretudo no que se refere ao Direito Penal, tendo em vista as sanções que limitam a o direito de ir e vir dos apenados.
Seu principal objetivo, então, é garantir um direito daquele que tenha sofrido ou que se ache “ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”, nos moldes do inciso LXVIII do art. 5º da Constituição federal.
Quando surgiu o Habeas Corpus?
O habeas corpus é considerado um dos instrumentos processuais mais antigos. Sua origem remete-se ao século 13, na Inglaterra, sendo que os seus primeiros indícios foram encontrados na Magna Carta do referido país, em 1215.
Nesse documento, frisou-se a necessidade de impedir que pessoas dotadas de poder político pudessem privar a liberdade de forma irrestrita.
Posteriormente, o mesmo país criou o Habeas Corpus Act, ato legal que regulamentou aspectos sobre a medida processual, incluindo a possibilidade de reparar excessos e abusos no cumprimento de ordens de restrição de liberdade.
Com relação ao Brasil, o primeiro dispositivo legal contendo a previsão do habeas corpus foi o Código de Processo Penal de 1832, em seu artigo 340, que dizia que “todo cidadão que entender que ele, ou outro, sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de habeas corpus a seu favor”.
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Qual a finalidade de um habeas corpus?
Como se pode perceber a partir da redação constitucional, a função do habeas corpus é proteger a liberdade de locomoção dos cidadãos frente aos atos abusivos do Estado.
É por meio de uma petição de habeas corpus, também chamada de ação constitucional, que o indivíduo poderá reverter uma ordem ilegal de prisão, quando já concretizada, ou evitar que esta seja executada, quando ver sua liberdade ameaçada por ela.
Entretanto, é importante frisar que o HC só poderá ser impetrado quando as ordens emanadas forem revestidas de ilegalidade, por alguns dos motivos legais que serão vistos no tópico a seguir.
Assim sendo, caso alguém tenha sido preso e todos os requisitos processuais e materiais tenham sido analisados e cumpridos corretamente, não há que se falar em cabimento de habeas corpus.
Quando cabe o habeas corpus?
Como já visto, o habeas corpus é cabível contra uma ameaça à liberdade, ou quando esta já tenha sido suprimida, por algum ato ilegal.
Para compreender suas hipóteses de cabimento, é necessário analisar o art. 648 do Código de Processo Penal, que diz:
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I – quando não houver justa causa;
II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI – quando o processo for manifestamente nulo;
VII – quando extinta a punibilidade.
Cada uma delas será comentada individualmente, a seguir.
– Quando não houver justa causa
Nesse caso, a prisão ou ameaça à liberdade será considerada ilegal pelo fato de que, no caso concreto, não se verificam os pressupostos que autorizariam essa medida.
Desta forma, estão ausentes o fumus commissi delicti (indícios da prática de um delito) e periculum libertatis (perigo causado por deixar um indivíduo em liberdade).
Sem que existam esses indícios, não há justa causa para a prisão e ela pode ser considerada ilegal.
– Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei
É um direito dos cidadãos que tenham seus processos julgados em tempo razoável, o que se aplica, também, ao processo criminal.
Em determinadas situações, é cabível a prisão temporária (com prazo definido em lei), a prisão preventiva (cujo prazo é analisado conforme a situação concreta) e a prisão condenatória (quando há uma sentença condenando o réu ao cumprimento de uma pena).
Independente do caso, o indivíduo tem conhecimento de quanto tempo ficará preso e, por isso, se sua liberdade for cerceada por tempo maior do que o determinado, a prisão será considerada ilegal e ele poderá impetrar habeas corpus.
– Quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo
Todas as ordens de prisão devem ser proferidas por um juiz natural e competente. Desta forma, um juiz estadual não pode emanar a ordem a competência para julgamento do crime for de um juiz federal.
Vale destacar que essa competência não se confunde com as atribuições conferidas às autoridades policiais, as quais podem realizar prisão em flagrante independentemente do crime ser de competência federal ou estadual.
– Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação
Qualquer ato que ameace a liberdade de locomoção de um indivíduo, seja por meio de uma ordem de prisão ou outro ato de poder estatal, deve ser fundamentado em indícios fáticos e cumprindo os requisitos legais.
Caso desapareça as provas fáticas que autorizaram a medida, não há motivo para persistir a coação, de modo que, caso ela se perpetue ou se concretize, será considerada ilegal e, portanto, possibilita a impetração de habeas corpus.
– Quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza
A fiança é uma medida que pode ser aplicada em determinados casos, como forma de substituir a prisão de um indivíduo.
Caso haja autorização legal e preenchidos os requisitos para tanto, mas, na prática, não seja concedida a oportunidade de prestar fiança a alguém, sendo concretizada a sua prisão, esta será considerada ilegal, o que pode fundamentar o pedido de liberdade constante em um habeas corpus.
– Quando o processo for manifestamente nulo
As nulidades que podem ocorrer em um processo penal estão elencadas no art. 564 do CPP. Assim sendo, caso alguma delas seja identificada no curso do processo entende-se que há perda da legitimidade do exercício do poder estatal, afetando, assim, as ordens proferidas pelo juiz.
Com isso, a lei determina que qualquer ordem judicial emanada em um processo nulo será considerada ilegal quando interferir na liberdade do indivíduo.
– Quando extinta a punibilidade
A extinção da punibilidade indica que não há mais poder punitivo cabível por parte do Estado. Isso quer dizer que, por algum dos motivos elencados no art. 107 do Código Penal, não é mais possível que um indivíduo seja processado e julgado pelo crime em questão.
Assim sendo, caso seja instaurado um novo inquérito policial para averiguar um crime sobre o qual já houve análise judicial e consequentemente fora decretada a extinção da punibilidade do indivíduo, é cabível habeas corpus para impedir que a investigação prossiga.
Quais as hipóteses do habeas corpus?
Os requisitos do habeas corpus são dois, dessa maneira:
- a ameaça ou a violação à liberdade de locomoção;
- que a coação seja realizada em ilegalidade ou abuso de poder.
Ilegalidade
Sobre a ilegalidade não há muito o que se abordar em uma discussão não aprofundada sobre este tema, sendo necessário, apenas, relembrar que, a ilegalidade não comporta apenas a clara contrariedade a legislação. Com isso, quero retomar o princípio da legalidade do sentido do Direito Administrativo.
O princípio da legalidade possui duas facetas: uma da perspectiva de sua aplicação à Administração Pública; outra de sua aplicação aos particulares.
No que concerne aos particulares, a eles é permitido tudo o que não seja vedado por lei. À Administração Pública, contudo, é permitido agir dentro dos limites da lei e de suas previsões. Portanto, na hora de analisar o cabimento ou não de habeas corpus, é preciso identificar se, ainda que a lei não proíba a ação do agente ou da autoridade pública, ela autoriza a sua conduta.
Por fim, é preciso analisar se, mesmo autorizada em lei uma conduta, a ação foi praticada por aquele competente para tal.
Abuso de poder
Já no que se refere ao abuso de poder, novamente, é preciso identificar se a autoridade atua dentro dos limites de sua competência, mas agora com foco também na finalidade de sua ação.
Há hipóteses em que uma ação não será ilegal, mas, dadas as circunstâncias, ela não atende ao interesse público. E desse modo, a autoridade faz-se valer do seu cargo para atender um interesse particular e para coagir o particular.
Quais são as pessoas identificadas no processo de habeas corpus?
A petição de habeas corpus deve ser direcionada sempre ao órgão superior àquele apontado como coator, além de identificar alguns sujeitos em seu escopo, quais sejam: o impetrante, o paciente, o coator e o detentor.
A seguir, abordaremos o conceito de cada um.
– Impetrante
Impetrante é a pessoa que ajuíza o habeas corpus em nome de um paciente, ou seja, em nome de quem está sofrendo uma ordem ilegal.
O impetrante pode ou não ser um advogado.
– Paciente
É chamado de paciente aquele que sofreu o ato coator ou está na iminência de sofrê-lo. É, de fato, a pessoa que foi presa de forma ilegal ou está tendo sua liberdade ameaçada por conta de algum ato revestido de ilegalidade.
O paciente pode impetrar, por si só, o habeas corpus, caso em que ele também será o impetrante.
– Coator
Coator é a autoridade que determinou a prática do ato ilegal. Pode ser um juiz ou outra autoridade estatal que tenha poder para emanar decisões que interfiram no campo da liberdade de locomoção dos indivíduos.
– Detentor
É chamado de detentor a pessoa que detém ou guarda o paciente, quando for diferente da pessoa enquadrada como autoridade coatora.
É, por exemplo, o diretor do presídio ou do estabelecimento prisional no qual o paciente está preso, após cumprida a ordem ilegal.
De quem é a competência para julgar do habeas corpus?
Como visto, a regra é que a competência para julgar o habeas corpus é sempre uma autoridade acima daquela que proferiu a ordem ilegal.
Se quem determinou a prisão ilegal foi um juiz de primeiro grau, a competência para julgar o habeas corpus será do Tribunal, seja ele Estadual, Federal ou Especializado, conforme sua subordinação hierárquica.
Se proferido por um dos membros do Tribunal, o órgão competente para julgá-lo será um Tribunal Superior, podendo ser o Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar ou Tribunal Superior Eleitoral.
Por último, quando um Tribunal Superior for responsável pela prática do ato, a competência caberá ao Supremo Tribunal Federal.
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Qual é o papel do advogado durante o processo de habeas corpus?
Caso o habeas corpus não seja impetrado pela pessoa que está presa ou sofrendo ameaça ilegal de prisão, ele poderá, também, ser interposto por advogado.
Nessa hipótese, o advogado atua não só como representante da parte, mas também como garantidor de direitos fundamentais.
Diante de seu conhecimento técnico, o profissional é responsável por incluir todos os requisitos de uma petição inicial de habeas corpus, com clareza e fundamentação necessárias a qualquer peça processual, incluindo cópia integral (ou das principais peças) do processo que originou a ordem ilegal.
Ao fazer isso, o advogado contribui para a celeridade do julgamento, sem que sejam necessárias novas informações ou documentos.
Da mesma forma, o conhecimento especializado do advogado possibilita acompanhar a movimentação e o julgamento do habeas corpus, garantindo, assim, que a ordem ilegal seja cassada e que o seu cliente seja posto em liberdade novamente.
Perguntas frequentes sobre Habeas Corpus
O que é habeas corpus?
Quais são os tipos de habeas corpus?
Quando é cabível habeas corpus?
Qual a finalidade de um habeas corpus?
Quem pode pedir habeas corpus?
Conclusão sobre Habeas Corpus
Diante do exposto, conclui-se que o habeas corpus é o instrumento jurídico utilizado para proteger a liberdade de ir e vir dos cidadãos, quando estes veem seu direito ameaçado ou violado por uma ordem de prisão ilegal.
Por buscar a proteção de um direito fundamental que fora violado de forma indevida, o HC pode ser impetrado pela pessoa que sofreu a ordem ilegal ou por alguém em seu nome, seja advogado ou não.
Mesmo diante dessa peculiaridade, é importante que, sempre que possível, os indivíduos contem com a ajuda profissional de um advogado, uma vez que eles podem contribuir para maior celeridade do procedimento e garantir que seus direitos sejam respeitados.