Investigação realizada por detetive desmonta tese de defesa e acusado pega 33 anos de prisão

Os advogados de Kenneth Jenkins, 33, esperavam que o juiz Charles Burton, de Palm Beach, Flórida, propusesse uma pena de quatro a oito anos de prisão a seu cliente, depois que ele foi condenado pela morte de três pessoas em um acidente de automóvel. Jenkins dirigia embriagado e entrou na contramão em uma rodovia.

Seus atuais advogados estavam preparados para apresentar alegações que poderiam minimizar a pena: Jenkins nunca fora condenado por qualquer tipo de delito; no julgamento, seu antigo advogado não lhe disse que poderia fazer um acordo com a Promotoria, declarando-se culpado em troca de uma pena menor; e ele reconheceu seu erro e sente muito remorso pelas perdas de vidas que causou.

No entanto, no dia da audiência para pronúncia da sentença, veio a surpresa: um vídeo, feito por um detetive particular, mostrou Jenkins em um bar, com amigos, brincando de beer pong — um jogo que envolve bolinhas de ping-pong e vários copos de plásticos com cerveja; toda vez que uma bolinha cai dentro de um copo, o adversário tem de beber todo seu conteúdo. E, é claro, todos terminam embriagados.

Isso aconteceu na véspera da audiência. O detetive particular foi contratado pela família das vítimas, quando um dos amigos de Jenkins disse a um dos familiares do réu que ele continuava bebendo e fazendo festas, como se nada tivesse acontecido. O detetive o seguiu e fez o vídeo no bar.

Após ver o vídeo, o juiz, que considerava uma pena menor, aplicou a pena máxima a sua disposição: 33 anos de prisão. Para ele, o vídeo comprovou que Jenkins não estava sentindo qualquer remorso pela morte das três pessoas. E que continuava bebendo nos bares com os amigos, o que significa que poderia voltar a dirigir embriagado e causar mais mortes.

Jenkins ainda tentou se explicar. Disse que foi ao bar com os amigos para fazer uma espécie de festa de despedida. Sabia que, no dia seguinte, seria mandado para a prisão. O juiz, porém, não lhe deu crédito.

Fator remorso

Um elemento comum no noticiário criminal, que reflete o que está nos autos do processo, é a frase “o réu não mostrou qualquer remorso”. Nos EUA, essa declaração da Promotoria influencia, frequentemente, a decisão do juiz ao fixar a pena, aumentando-a significativamente, se não há remorso. Ou o júri, em casos capitais, quando deve decidir se recomenda a pena de prisão perpétua ou a pena de morte.

No entanto, o fator “remorso” está sob fogo intenso no país. São muitos os estudos e reportagens na internet sugerindo que o sistema de Justiça criminal deveria se livrar desse fator de determinação da pena. Um argumento é o de que ele é altamente subjetivo e notoriamente falho, essencialmente porque é baseado em percepções pessoais — e não em fatos ou qualquer tipo de ciência.

“Está na hora de pararmos de fazer de conta que sabemos o que é e o que não é remorso e eliminarmos esse cálculo moral do processo de tomada de decisão judicial”, disse à revista Slate a advogada e professora da Faculdade de Direito da Universidade DePaul Susan Bandes, que se tornou uma das especialistas mais respeitadas do país sobre o “papel da emoção na lei”.

Ex-advogada da União Americana de Liberdades Civis em Illinois, Susan publicou um estudo sobre isso no jornal Emotion Review. Ela se refere a um estudo, baseado em pesquisa com juízes, para avaliar se eles poderiam avaliar o remorso com base em expressões faciais e linguagem corporal.

Em uma das perguntas, a pesquisa buscava apurar se, na opinião dos juízes, o fato de o réu fazer contatos visuais com as outras pessoas na sala de julgamento indicava a presença ou a ausência de remorso. Metade dos juízes respondeu que indicava presença de remorso e a outra metade, que indicava ausência de remorso.

Segundo a especialista, não há qualquer evidência de que se possa comprovar a presença do remorso com base em expressão facial ou linguagem corporal. A única evidência documentada é a de que já ocorreram muitos erros judiciais, porque juízes e jurados deixaram que falsas percepções ou suposições afetassem duas decisões.

A reação das pessoas em um julgamento, no que se refere a demonstrações de remorso, varia por muitas razões. Pessoas mais jovens, por exemplo, tendem a não mostrar remorso, porque isso causaria vergonha ou humilhação. As percepções que os juízes e jurados têm de pessoas negras também são diferentes da que têm de pessoas brancas.

Um estudo mostrou que a raça é um elemento importante nesse mister. Jurados brancos, por exemplo, fazem leituras diferentes dos réus, quando eles são brancos ou negros. Um jurado branco vê remorso em um réu branco, mas vê frieza, arrogância e ausência de remorso em um réu negro — sem que, em nenhum dos dois casos, isso seja realmente verdade.

O juiz Richard Nygaard, de um tribunal de recursos de Pensilvânia, disse à FT Magazine que, nos primeiros anos dos oito que passou em um fórum criminal, os réus negros lhe pareciam taciturnos e arrogantes. Mais tarde, porém, ele aprendeu que a expressão deles decorria do esforço que faziam para manter a própria dignidade — ou o que lhes restava dela — mesmo correndo o risco de serem mal interpretados.

O juiz mencionou um estudo da Capital Jury Project (CJP), segundo o qual jurados negros irão, mais provavelmente, perceber que um réu negro sente remorso, enquanto jurados brancos irão, mais provavelmente, perceber que um réu negro sequer faz de conta que sente arrependimento.

O advogado Robert Bierenbaum, especializado em crimes do colarinho branco, disse à revista que a defesa de seus clientes sempre é mais difícil, porque eles têm muita dificuldade de mostrar remorso. Para tais “mestres do universo”, expressar emoções, tais como remorso, significa perder os últimos vestígios de dignidade, sobre os quais ainda têm controle”.

O sociólogo Richard Wesman, da Universidade de York, em Toronto, disse que apurou em suas pesquisas sobre sistemas jurídicos diferentes que a expressão de remorso é vista, frequentemente, como “uma expressão de fraqueza”. Para muitos réus, mostrar remorso equivale a “um ritual de humilhação”.

Para Susan Bandes, o conceito de remorso não é confiável, porque julgar se uma pessoa sente ou não arrependimento ou contrição é uma tarefa altamente subjetiva. “O réu mais arrependido do mundo pode não ter a habilidade de expressar suas emoções. Ou então ele pode sentir remorso mas, ao mesmo tempo, pensar que é humilhante deixar que outras pessoas percebam esse fato.”

Em uma decisão, a Suprema Corte dos EUA estabeleceu que obrigar alguém a tomar qualquer substância psicotrópica torna seu julgamento inconstitucional, porque o réu não terá capacidade de mostrar remorso aos jurados.

Pessoas com certos tipos de deficiência mental ou doença mental também podem ter dificuldades de mostrar remorso. A atitude de crianças e adolescentes também é vista, frequentemente, como falta de remorso, quando é, na verdade, uma incapacidade de entender a gravidade da situação. Às vezes, só vão entender quando já é tarde.

Dilema dos inocentes

As pessoas inocentes, que se declaram “não culpadas” no início do julgamento, são duplamente ameaçadas no sistema judicial americano. Em primeiro lugar, elas têm uma oportunidade, antes do julgamento, de se declararem culpadas aos promotores, em troca de uma pena menor. Se não aceitarem o acordo, porque querem provar sua inocência, e forem consideradas culpadas, a pena será substancialmente maior.

Em segundo lugar, a pena também será aumentada por não mostrarem remorso, o que cria um dilema: se declarar “não culpado” ou mostrar remorso? Não faz sentido o réu se declarar “não culpado” no início do julgamento e, mais tarde, se declarar arrependido do que fez — isto é, mostrar remorso, diz o site FindLaw.

Um caso que ilustra essa situação foi o do cirurgião plástico Robert Bierenbaum, que foi a julgamento, em 2000, pela morte de sua mulher e se declarou “não culpado”. Ela desapareceu em 1985, o corpo nunca foi encontrado, não havia sinal de violência física, mas, apesar disso, a Promotoria conseguiu a condenação.

Como o cirurgião insistiu em sua inocência, ele eliminou qualquer possibilidade de mostrar remorso. E o juiz sentenciou: “Ele não está reabilitado — o que significa aceitar, admitir e expressar remorso. Só assim alguém pode expiar sua culpa”. Assim, em vez de uma pena mínima, Bierenbaum foi sentenciado por um período de 20 anos de prisão à prisão perpétua.

Em 2007, Conrad Black foi condenado por fraudar investidores em milhões de dólares. Sua sentença foi aumentada para um período de 24 a 30 anos, porque, além de se declarar não culpado, ele “mostrou uma impressionante falta de remorso, nas entrevistas que concedeu à imprensa”, alegaram os promotores. “Isso só deixa claro que, se ele tiver outra oportunidade, voltará a fazer a mesma coisa”, disseram.

O dilema continua na prisão. Para apressar a decisão de liberdade condicional, os prisioneiros podem participar de programas de gestão da agressividade, reabilitação em caso de drogas e sessões que os ajudam a pensar no que fizeram, porque o fizeram e o impacto de suas ações sobre as vítimas e suas famílias.

Isso ajuda a convencer a comissão de liberdade condicional a aprovar sua libertação mais cedo. No entanto, o prisioneiro que mantém sua inocência — e, portanto, não mostra um grande “remorso pelo que fez”, passará muito mais tempo na prisão, porque seus julgadores irão concluir que não está reabilitado e ainda é um perigo para a sociedade.

Há outro dilema: se o réu se declarar culpado e mostrar remorso só para garantir uma pena menor, irá eliminar do processo a possibilidade de recorrer a um tribunal de recurso contra a condenação.

A lógica do remorso

Os julgadores pensam que o remorso é realmente importante para se decidir que tipo de punição o réu merece. Em parte porque acreditam que o réu, que mostra remorso, não irá mais, provavelmente, cometer outro crime. E também que o réu arrependido, que mostra remorso, é alguém que tem um bom caráter.

Nos EUA, a “declaração de remorso” foi instituída no século XVIII, nas colônias puritanas, em enforcamentos públicos. No sermão da execução, um ministro pedia ao condenado para declarar arrependimento. A declaração de arrependimento não iria salvá-lo da forca, mas havia a esperança de que ela iria influenciar a comunidade religiosa, que tenderia a renunciar ao pecado e ao crime.

No final do século XIX, a demonstração de remorso passou a ser um fator na determinação de sentenças. E os réus passaram a usar o remorso como uma espécie de moeda de troca no sistema de Justiça criminal, do tipo “trocamos um remorso por menos tempo de cadeia”.

Desde então, a demonstração de remorso se tornou uma indicação, adotada por legisladores e tribunais, de que um réu arrependido era um candidato em potencial para a reabilitação e futura reinserção na sociedade, disse à Slate o professor de Direito da Universidade de Ohio Bryan Ward. “No entanto, uma ligação entre o remorso e a reabilitação nunca foi realmente estabelecido”, declarou.

É difícil saber se um réu, que expressa remorso, é realmente sincero. E mesmo que seja sincero, sua declaração de remorso pode não passar de uma boa intenção, na hora do julgamento, da qual ele vai se esquecer mais tarde na vida — e voltar a praticar crimes.

Em casos em que os julgadores confundem vergonha com remorso, o resultado pode ser pior. A vergonha do réu tem sido relacionada, em alguns estudos, ao aumento da probabilidade de ele voltar a cometer crimes. Isso porque a vergonha faz o réu se sentir estigmatizado e se alienar ainda mais da sociedade.

Eliminação do fator remorso

A especialista Susan Bandes pensa que, apesar dos vários estudos recomendando a eliminação do fator remorso nos julgamentos, isso não vai acontecer tão facilmente, porque as pessoas estão acostumadas a fazer essa avaliação até em suas vidas cotidianas.

Poderá, porém, ser neutralizado aos poucos pelo esforço dos próprios juízes, que poderão instruir os jurados a não julgar o réu por suas expressões faciais, sua linguagem corporal, seu comportamento ou atitudes, se a falta de remorso não puder ser comprovada.

Advogados de defesa também podem recorrer a testemunhos de especialistas, que possa explicar aos jurados a improbabilidade de se avaliar corretamente uma pessoa pelo que ela parece ser ou parece mostrar e a dificuldade de se reconhecer a existência ou não de remorso. A palavra de um especialista pode contrabalançar a tendência das pessoas de julgar pelas aparências.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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