A relevância sobre as descobertas neurocientíficas inaugura uma nova era. E na medida em que as suas investigações vêm avançando, através de novas tecnologias de mapeamento cerebral, têm revelado localizações específicas de eventos cerebrais, os quais permitem inferir a crescente aproximação entre a neurociência e o direito. As ambições neurocientíficas têm se expandido e se impregnado na sociedade, situação que acarreta um peso maior nas leis e, diante desse fato, as questões atinentes ao direito merecem atenção para que se tenha uma inserção adequada à realidade. O direito e a neurociência constituem um tema com diversas implicações de cunho social, ontológico e metodológico, necessitando ser analisado, essencialmente, sob o aspecto dogmático penal, particularmente no tocante à culpabilidade penal. No que concerne às discussões acerca do direito penal, nota-se que transcende deste âmbito as investigações a respeito do comportamento humano. Compreende, também, o interesse em analisar a conduta humana e a própria questão da liberdade, igualmente relevante às neurociências. Não há dúvida de que as possíveis repercussões para o direito penal constituem um tema que tem levado diversos doutrinadores a se debruçar sobre as pesquisas, as quais devem ser analisadas com as cautelas devidas.
Esta dissertação de mestrado enfrenta a tarefa de delinear os principais aspectos que contornam a neurociência e a culpabilidade sob a égide do Direito Penal. A preocupação ocupa espaço justamente nas conclusões dos experimentos neurocientíficos atuais, os quais traçam aspectos acerca do comportamento e da conduta humana, por intermédio das instigantes descobertas neurocientíficas que revelam novas informações sobre o funcionamento do cérebro humano, influindo, sobremodo, no campo do Direito Penal, intrinsicamente em sede de culpabilidade. Para tanto, o objetivo deste trabalho é investigar os possíveis impactos produzidos pelos avanços neurocientíficos no âmbito da dogmática penal, principalmente acerca do instituto da culpabilidade. Situando-se nesse cenário de recentes descobertas, objetiva-se demonstrar, também, o quão perigoso pode ser recepcionar os resultados da ciência do cérebro que acabam por defender as bases do neurodeterminismo, o qual teria o condão de propagar a inaplicabilidade do ―poder atuar do outro modo‖, com isso, rechaçando a autodeterminação e, consequentemente, abolindo todo o sentido da existência da culpabilidade. Em decorrência disso, o caminho a ser percorrido será detalhista, pois terá como primeira abordagem a evolução dos antecedentes históricos a perspectiva contemporânea do conceito de culpa jurídico-penal. O segundo capítulo, por sua vez, apresentará as concepções atuais de culpabilidade, enquanto o último investigará como os avanços neurocientíficos poderão influenciar na questão da culpa jurídico-penal. O trabalho terá como fio condutor o método fenomenológico-hermenêutico e será desenvolvido a partir da pesquisa bibliográfica. Sob estas perspectivas, o sistema sancionatório consagrado pelo Direito Penal estaria ameaçado pela política criminal defendida pela neurociência calcada em processos de imputação exclusivamente preventivo constituído a partir de medidas de segurança, acarretando o retorno do indesejável direito penal do autor, substituindo, dessa maneira, o direito penal do fato. Em apertada síntese, não se pode olvidar que o estudo da neurociência pode, também, impactar positivamente a dogmática penal na questão da responsabilidade criminal, encontrando maior adequação nos estudos da inimputabilidade. Mesmo que ainda pairem incertezas em torno dos resultados neurocientíficos, posiciona-se, ao menos em tese, em Direito Penal alicerçado na culpabilidade.
O auxílio que a neurociência pode dar à condução de negociações entre partes em conflito foi o assunto de debate online promovido pela 3ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais nesta terça-feira (18/5).
A live “Como as neurociências podem contribuir para o êxito da autocomposição” contou com a participação da professora e advogada Adriana Marra de Paula, especialista em Neurociências e Gestão das Emoções.
A abertura foi feita pelo desembargador Newton Teixeira Carvalho, 3º vice-presidente do TJMG e coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), e pelo advogado Dimas Messias de Carvalho.
O 2º vice-presidente do TJMG, desembargador Tiago Pinto, representou o presidente, desembargador Gilson Soares Lemes. De acordo com o magistrado, a proposta é inovadora e bem-vinda, porque mudanças culturais são difíceis, e a forma como a sociedade resolveu seus conflitos, ao longo dos séculos, foi beligerante.
“Nosso cérebro foi programado, durante o processo de evolução, para realizar o máximo de ações de modo automático, criando atalhos e poupando energia. Uma das consequências desses processos são hábitos — muitas vezes, quase escravizantes — que, de maneira inconsciente, impedem-nos de fazer as coisas de modo diferente do que estamos acostumados a fazer”, afirmou.
Interlocução
O 3º vice-presidente do TJMG, desembargador Newton Teixeira Carvalho, salientou a necessidade de aprimoramento contínuo em todo ser humano, e a repercussão duradoura do aprendizado do diálogo.
O magistrado destacou que a política de autocomposição é um caminho sem volta, que precisa ser reforçado e pavimentado constantemente, e uma das estratégias para isso é a interlocução do direito com outras áreas, a exemplo da neurociência, para arejar e enriquecer a atuação jurisdicional.
“A ideia de um Judiciário elitizado, distante dos anseios da sociedade, está ultrapassada. Magistrados não devem monopolizar a resposta ao cidadão por meio da sentença, porque ela é imposta.” A construção partilhada é mais gratificante, democrática e autônoma, disse.
Segundo o desembargador, o TJMG tem oferecido vários métodos nos quais as partes são protagonistas da solução, e todas as ferramentas que impulsionem essa visão de Justiça pacificadora são vantajosas. “A busca não é apenas pela quantidade, mas pela qualidade nos acordos. Às vezes, só o fato de aceitar sentar-se para negociar já modifica a pessoa”, conclui.
Escuta
O advogado Dimas Messias de Carvalho, promotor de justiça aposentado, recordou sua atuação nas varas de família, quando ele já praticava a autocomposição de forma intuitiva e com bons resultados, mas sem o instrumental da neurociência, e as trocas de experiência com magistrados do TJMG na área do direito de família.
Ele afirma que é necessário entender a si mesmo para entender o outro, e buscar que as partes desenvolvam a escuta atenta e respeitosa para que possam chegar a um entendimento. Na apresentação da expositora, o advogado ressaltou sua característica de inovação, atualização e diversificação de seus campos de estudo e interesse.
“A autocomposição é um tema de extrema importância, que deveria ser mais trabalhado nas instituições de ensino, para que os alunos não fossem tão demandistas e procurassem aprender a conciliar. E a neurociência é um grande auxílio nessa tarefa”, argumentou.
Lidando com o cérebro
A advogada Adriana Marra de Paula citou os benefícios múltiplos das soluções consensuais, que vão desde a redução do custo processual e do tempo dispendido ao sentimento de realização que os envolvidos vivenciam, incluindo os profissionais do direito.
“Quando uma pessoa participa de uma solução ativamente, seu grau de comprometimento é maior. Isso também reduz a chance de novas demandas. Já a atuação ética dá ao advogado a certeza de prestar um bom serviço à sociedade e traz satisfação”, afirmou.
Ela argumentou que, apesar de negociarmos o tempo todo, com parceiros, filhos, pais, amigos, chefes e liderados, nosso cérebro detesta incertezas, pois elas criam instabilidade. Assim, é preciso, nas tentativas de chegar a um acordo, reduzir o grau de insegurança, pois, ao sentir que não temos controle da situação, perdemos a capacidade de raciocinar.
“A ansiedade é filha do medo e, quando o pânico surge, fica ativada somente a parte mais primitiva e instintiva do cérebro”, afirma. De acordo com a palestrante, ao experimentar emoções, a mente não diferencia entre o passado e o futuro, de forma que um evento já ocorrido pode reavivar sensações dolorosas e algo ainda não concretizado pode nos apavorar, acionando sistemas de estresse.
Nessa situação, a consequência é a incapacidade de ouvir com atenção e empatia, a postura reativa. Adriana de Paula lembra que a comunicação não violenta também sugere perseguir a objetividade. “Julgamentos infundados e acusações são um elemento de pessoalização que não contribui, e a evocação de experiências ruins pode ser decisiva para atrapalhar a reflexão”, diz.
Segundo ela, daí vem a importância de mudar de foco, desviar a atenção daquilo que vai gerar estímulos negativos e criar a familiaridade com o cenário. Assim, o defensor deve preparar seu cliente para a audiência, orientando-o sobre a dinâmica adotada, o espaço, os ritos do Judiciário, o horário de chegada. Além disso, o ideal é a pessoa estar descansada, bem alimentada, confortável.
“Pode-se discutir o mínimo aceitável numa proposta de composição, pois no ambiente forense vai prevalecer a racionalidade e o bom senso. Todo acordo tem que contemplar ganhos para ambas as partes, por isso é vital separar a pessoa do problema e manter o foco na negociação, e não em posições predefinidas”, disse Adriana de Paula.
Outra recomendação da estudiosa, desta vez para os magistrados, promotores, defensores públicos e serventuários, é criar um ambiente receptivo. “A atmosfera tem que ser o mais emocionalmente segura possível, pois já existe uma tensão natural. Então é bom que as pessoas sejam gentis, atenciosas, recebam bem a cada um, mostrando que estão lá para colaborar, que se interessam por um resultado bom para todos. Assim a parte se sente acolhida e protegida, e fica mais disposta a negociar”, pontua.
O conteúdo da live está disponível aqui.