A intenção desse texto é tecer considerações a respeito da lei nº 13.432/17, que veio regulamentar a atividade de detetive particular, tendo norte nos princípios da isonomia e da paridade das armas. Cabe ressaltar que toda a discussão será desenvolvida sobre o envolvimento ou não do detetive no inquérito policial.
1 – Isonomia e Paridade das Armas, sinônimos ou não?
O princípio da isonomia estabelece que proporcionar e respeitar a igualdade entre as partes processuais é um dever atrelado a ideia de liberdade e do contraditório. A isonomia divide-se em formal e real.
A isonomia formal é presente na Constituição Federal e trata da igualdade perante a lei. De acordo com o artigo 5º, isso quer dizer que homens, mulheres e todos os cidadãos brasileiros são iguais conforme a legislação.
A isonomia real advém do reconhecimento de situações desigualitárias entre as partes processuais, existe para buscar dar certas “vantagens” aos hipossuficientes em busca de igualar o jogo processual novamente. Os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida de suas desigualdades.
O princípio da paridade das armas se diferencia da isonomia para conceder ao réu um papel de protagonismo na defesa dos interesses e direitos, segundo a lição de Nestor Tárvora¹:
“O princípio da paridade de armas, malgrado seja tratado como sinônimo de igualdade ou isonomia no processo penal, tem conteúdo mais rico, indicando o direito da defesa de desempenhar um papel proativo, mormente na produção de prova e no exercício de poderes que possibilitem a plena igualdade, tal como consta do art. 8, do Pacto de São José da Costa Rica. ”
Tendo esse princípio em consideração, podemos afirmar que não basta a igualdade de prazos, de contraditório e de defesa ampla. A paridade das armas prega que o acusado possa atuar com os mesmos poderes e instrumentos garantidos à acusação, a exemplo de formulação de pedidos de interceptações telefônicas e de busca e apreensão, bem como da admissibilidade de assistente de defesa, possibilitando uma real igualdade.
Na doutrina, Welton Roberto fundamenta a diferença entre igualdade e paridade de armas, a fim de evitar que o investigado ou acusado seja tratado como convidado de prata².
Importa dizer que existe divergência sobre a necessidade da diferenciação entre isonomia e paridade das armas. O STF, apesar de reconhecer essa norma de status constitucional, conquanto não esteja descrita de forma explícita no ordenamento jurídico, não diferencia, de forma clara, isonomia de paridade das armas, como se vê na ementa de acordão a seguir:
“a isonomia é um elemento ínsito ao princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CRFB), do qual se extrai a necessidade de assegurar que as partes gozem das mesmas oportunidades e faculdades processuais, atuando sempre com paridade de armas, a fim de garantir que o resultado final jurisdicional espelhe a justiça do processo em que prolatado” De outra vertente, o mesmo julgado frisou que “as exceções ao princípio da paridade de armas apenas têm lugar quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio entre as partes, e devem ser interpretadas de modo restritivo, conforme a parêmia exceptiones sunt strictissimae interpretationis” (STF – Pleno – ARE 648629 (Repercussão Geral) – Relator: Ministro Luiz Fux – julgado em 24/04/2013)
Ressalta-se que, a diferenciação dos princípios é interessante pois o conteúdo do princípio da paridade é suficientemente rico, merecendo ser individualizado e valorizado de forma isolada.
2 – Detetive Particular, as vedações podem ser consideradas inconstitucionais?
A lei nº 13.432/17, que regulamenta a atividade de detetive particular, traz à tona a discussão sobre a validade das investigações realizadas por particulares para a deflagração de inquéritos policiais ou investigações do Ministério Público, ou, até mesmo, de ações criminais de legitimidade do Ministério Público.
O artigo 2º da lei vem definindo quem é detetive e traz vedação as investigações criminais.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se detetive particular o profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial, planeje e execute coleta de dados e informações de natureza não criminal, com conhecimento técnico e utilizando recursos e meios tecnológicos permitidos, visando ao esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante.
O artigo 5º da lei traz exceção à vedação, o detetive pode participar de investigação policial em curso, desde que autorizado pelo delegado de polícia e pelo contratante. O Delegado pode a qualquer momento rejeitar ou limitar a atuação do detetive particular.
Art. 5º O detetive particular pode colaborar com investigação policial em curso, desde que expressamente autorizado pelo contratante.
Parágrafo único. O aceite da colaboração ficará a critério do delegado de polícia, que poderá admiti-la ou rejeitá-la a qualquer tempo.
Sob o prisma dos princípios supracitados é possível chegar à conclusão de que tal vedação é inconstitucional, pois impõe uma limitação ao réu que não é compartilhada com o órgão acusador. Contudo, podemos ir mais a fundo. Não existe qualquer impedimento ao fato de particulares (não apenas detetives, pessoas comuns inclusas) praticarem atos investigatórios contra quem quer que seja. É o que defende o Professor Igor Pinheiro³.
Nesse sentido, recente julgado do STJ:
“A seriedade probatória da acusação penal, definida pela certeza da materialidade e indícios de autoria (justa causa) pode provir de elementos probatórios oriundos ou não do inquérito policial, que não é seu suporte exclusivo de justa causa”, motivo pelo qual “admite-se em tese, pois, a persecução criminal por qualquer fonte confiável de prova, estatal ou mesmo particular, nada impedindo seja essa fonte de prova provinda do órgão Ministerial. ” (HC 90.174/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/11/2015, Dje 25/11/2015)
Igor Pinheiro, em sua lição, ensina que, se o investigado for um agente público no exercício da função, um ente político, uma entidade pública, ou até mesmo uma entidade privada que recebe recursos públicos, a investigação ampla é um direito assegurado ao cidadão pela Constituição Federal de 1988.
Tal conclusão, leva em consideração o direito fundamental de liberdade de informação (artigo 5º, XXXIII), O direito fundamental do cidadão em ajuizar a ação popular contra atos lesivos ao patrimônio público ou a moralidade administrativa (artigo 5º, LXXIII) e o Direito do cidadão de propor ação penal privada subsidiária da pública (artigo 5º, LIX).
Se o cidadão tem possibilidade de ajuizamento de ações, não é lógico lhe inibir os meios para tal ajuizamento, ou seja, não é faz sentido lhe negar a atividade investigativa.
No caso de o investigado ser um particular, diante da existência da ação penal privada subsidiária da pública é plenamente possível a atividade investigativa realizada/promovida por um particular (pessoa física/jurídica) contra outro sujeito de igual categoria.
Sobre o tema assevera Igor Pinheiro:
“nesse caso, a ação encontra-se limitada pelas mais variadas garantias constitucionais e legais asseguradas em prol dos cidadãos, não sendo, porém, vedada a busca e/ou arrecadação de elementos probatórios por pessoas alheias aos órgãos responsáveis pelas investigações oficiais. O que está proibido é a utilização de meio coativos ou invasivos nessa atividade, como a realização de notificações, conduções para depoimentos, etc. Qual a ilegalidade na gravação de vários depoimentos espontâneos sobre um crime de ação pública que sejam entregues ao Ministério Público?”
Sendo assim, respeitadas as garantias constitucionais, não há óbice à condução paralela de investigação pela defesa do indiciado (investigação criminal defensiva ou não), desde que não ofenda direitos individuais fundamentais, como a intimidade, a honra e a vida privada. A vedação de qualquer investigação particular, mesmo dentro dos limites citados, viola direitos constitucionais como o direito de liberdade de informação, o direito fundamental do cidadão em ajuizar a ação popular contra atos lesivos ao patrimônio público ou a moralidade administrativa e o direito do cidadão de propor ação penal privada subsidiária da pública.
Encerramento:
Feitas as presentes considerações, em defesa da diferenciação dos princípios da isonomia e paridade das armas e, também, a respeito da inconstitucionalidade da vedação trazida pela recente Lei nº 13.432/17, cabe ressaltar, novamente, que toda a discussão se trata da participação ou não do detetive particular no inquérito policial. A contratação de detetive particular para colaborar com investigações criminais em curso pode ser efetivada tanto pela vítima quanto pelo investigado/suspeito, não havendo qualquer restrição na novel Lei.
É essencial lembrar que essa é uma lei recente e tanto a doutrina quanto a jurisprudência em geral ainda estão reagindo a ela, sendo assim, existe grande divergência quanto ao assunto abordado. Espero que esse texto traga alguma reflexão e estimule o debate sobre o tema, pois o inquérito policial é uma fase essencial no processo penal que muitas vezes é escanteada.
Referências:
1- TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. – Salvador: Editora Podivm, 2016. P48
2- ROBERTO, Welton. Paridade de armas no processo penal. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p.88
3- PINHEIRO, IGOR, Aqui.
Autor: Renan Soares
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