A nossa Constituição da República, no artigo 5°, trouxe um leque de direitos e garantias individuais para o cidadão. Muitas garantias são atinentes ao processo penal, tendo em vista a demarcação do cunho democrático da nossa Magna Carta.
Presumir alguém inocente, antes de que haja culpa formada e irreformável, parece ser algo tão óbvio e que sequer necessitaria constar do texto constitucional/infraconstitucional. O constituinte, porém, receoso de que uma onda antidemocrática retornasse ao sistema processual brasileiro, preferiu dizer o óbvio. E, convenhamos, no Brasil o óbvio precisa ser dito.
Recentemente o mundo jurídico, em especial a Advocacia Criminal/Defensorias Públicas, viram-se atormentadas e assustadas com a execução provisória da pena após condenação em segunda instância. Pessoas, que contra si não tinham um título definitivo, eram encarceradas de maneira açodada; se, ao final, fossem absolvidas ou o processo anulado, eram soltas. As questões: é possível devolver a dignidade de uma pessoa que permaneceu um dia preso injustamente? Quanto vale um dia no cárcere?
A situação é mais grave, ainda, porque estamos falando do sistema penitenciário brasileiro, que o STF declarou como um estado de coisas inconstitucional (ADPF – 347).
A Ordem dos Advogados do Brasil e tantas outras entidades bateram às portas do STF, que é a última trincheira da liberdade, para pedir o respeito ao texto constitucional e infraconstitucional (art. 283, CPP). Felizmente, por maioria, os Ministros da Corte reconheceram a constitucionalidade do art. 283 do CPP. Assim, ficou vencida a possibilidade de execução provisória da pena após julgamento em segunda instância. Teremos, pela frente, a discussão acerca da prisão em decorrência de condenação em primeira instância nos delitos julgados pelo Tribunal do Júri. Outra batalha que se avizinha, em que, nós democratas, devemos unir forças em respeito à presunção de inocência (ou não culpabilidade, como alguns preferem chamar).
O que eu quero, prezados leitores e colegas advogados criminais, é trazer a lume a discussão que foi encabeçada por alguns operadores do direito no sentido de que a presunção de inocência é aniquilada quando o investigado confessar na fase de investigação e as provas forem robustas. Confesso que, quando eu tomei conhecimento dessa posição, casou-me enorme desconforto. Estaria eu desatualizado?! Penso que não!!!
Primeiro ponto: a confissão, conforme determina o Código de Processo Penal, no art. 197, per si, não autoriza o juízo condenatório.
Segundo ponto: a confissão é divisível e retratável. Logo, o investigado que confessa determinado delito em fase policial (muitas vezes por estar preso e com isso conseguir sua liberdade), poderá, em juízo, retratar-se e negar peremptoriamente a prática do ilícito penal (art. 200, CPP).
Assim, a confissão não é rainha das provas. Ademais, nosso sistema não adota o sistema tarifado de provas. Inclusive, de parte da doutrina recebe severa críticas:
A confissão era considerada uma prova absoluta, uma só testemunha não tinha valor etc. Saltam aos olhos os graves inconvenientes de tal sistema, na medida em que não permitia uma valoração da prova por parte do juiz, que se via limitado a aferir segundo os critérios previamente definidos na lei, sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a partir da especificidade do caso. (LOPES JR, 2016, p. 205- 206)
Terceiro ponto: Pode-se falar em prova, no sentido técnico, durante a fase inquisitorial? o que são provas robustas?
O que existe é o entendimento de que os elementos do IP têm valor de atos de investigação. Não se fala em prova; muito menos, em prova robusta.
Não é à toa que o art. 155 do CPP diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.
Provas robustas, termo utilizado por operadores do direito, seria a confissão? Seria interceptação telefônica? O que é prova robusta?
Falar em prova robusta na fase embrionária, com todo o respeito, é desconhecer uma das funções do processo penal, que é justamente o de permitir o controle da veracidade/legalidade das provas e oportunizar o direito ao contraditório e à ampla defesa.
“Condenar” alguém, com base em elementos produzidos de maneira unilateral pelos órgãos da persecução criminal, parece-me um tanto quanto ingênuo. AGOSTINHO RAMALHO NETO, questionava: quem nos protegerá da bondade dos bons? Respondo, nós, advogados criminais. O problema é quando alguns advogados criminais passam a acreditar em tudo que é dito na mídia e pelos órgãos da persecução criminal. Tempos estranhos.
Prova robusta é um termo metafísico e inalcançável, que comporta qualquer sentido. Basta saber usar bem o discurso (a linguagem), e você tem uma “prova robusta”. Até mesmo os Acusadores, como DELTAN DALLAGNOL em seu livro “As lógicas das provas no processo penal”, já trabalham com o conceito de prova além da dúvida razoável para condenação. Negando, assim, a ideia de certeza.
A corroborar o que estou dizendo, de que a dita prova robusta constitui mero recurso linguístico, trago uma fato que ocorreu na operação lava jato em que “um dos réus foi condenado a 11 anos de prisão com base naquilo que o ex-juiz Sergio Moro considerou “prova robusta” (sic). Depois — isto é, depois de nove meses preso, depois de perder o nascimento de uma filha, depois de perder o próprio casamento por um divórcio —, o mesmo réu condenado por “prova robusta” foi então… absolvido. Por quê? Por… falta de provas. E ficou nove meses preso (https://www.conjur.com.br/2019-mar-07/senso-incomum-prova-robusta-moro-trf-divergem-jogo-pena-11-anos)”.
Para não dizer que eu não falei das flores, debruço-me por derradeiro no Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), criado recentemente pela Lei n. 13.964/2019. Hoje, nos termos do art. 28-A do CPP:
Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (…).
Uma leitura apressada, entretanto, poderá conduzir o leitor ao entendimento de que, neste caso, confessado o crime cai por terra a presunção de inocência.
Ledo engano.
A confissão, prevista no artigo em comento, diz respeito única e exclusivamente ao ANPP. Nada mais. Inclusive, conforme dicção do § 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo e § 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
Destarte, a confissão realizada para não responder ao processo criminal, conforme expressa previsão legal, não constará da certidão criminal do cidadão.
Com isso concluímos, conforme aprendi com o querido professor AURY LOPES JR, que o processo é o caminho necessário para aplicação de uma pena. Antes de encerrado o processo e selada a culpa do acusado, gostem ou não, vige de maneira intocável a presunção de inocência.
E, lembrem-se, o que dizemos e escrevemos, por dever de coerência, devemos praticar na nossa lida forense. Cada um escolhe o advogado que quer ser e de que lado deseja estar. Eu optei pelo meu: a Constituição.
Se a consulta ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS-Bacen) resultar em dados evasivos e restritos, sendo impossível concluir com absoluta certeza que o suposto sócio oculto realmente atua como representante da empresa e, ainda, não havendo outras provas para análise, não se fala em reconhecimento da figura do sócio oculto. Para que seja incluído no polo passivo, são necessárias provas robustas da fraude.
Esse foi o entendimento aplicado pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-18) ao cassar decisão do Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Rio Verde que havia determinado a suspensão da CNH de uma pessoa que seria sócia oculta de uma transportadora.
Em primeira instância, o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Rio Verde determinou a inclusão do agravante, um advogado, como sócio oculto de uma transportadora. O magistrado entendeu que a pessoa estaria vinculada à empresa como “Representante, Responsável ou Prcurador” em uma conta bancária.
Para questionar essa inclusão, o advogado interpôs um agravo de petição, onde afirmou que, de modo equivocado, foi considerado sócio oculto da transportadora. Ele narrou que prestou serviços para a empresa entre junho de 2006 e dezembro de 2007.
A relatora, desembargadora Kathia Albuquerque, observou, inicialmente, que, na Justiça do Trabalho, prevalece a regra da primazia da realidade dos fatos. “Assim, apenas o fato de o nome de determinada pessoa não constar no contrato social da executada não retira desta a possibilidade de ser responsável pelas atividades empresariais da executada”, considerou.
Albuquerque destacou que a figura do “laranja” ou “sócio oculto” é uma situação grave, motivo pelo qual deve ser robustamente comprovada. A relatora explicou que essa condição pode sinalizar uma fraude passível de punição em diversas áreas e com consequências severas aos que dela se utilizam.
A magistrada considerou que o advogado não nega que figurou como “Representante, Responsável ou Procurador” em uma conta bancária de titularidade da empresa. Porém, ressaltou Kathia Albuquerque, essa seria a única possível ligação dele com a empresa. “Entendo que essa situação bem como os documentos carreados aos autos são insuficientes para comprovar a condição de sócio oculto e uma decisão que inclui alguém no polo passivo com base apenas em probabilidade é muito temerária”, avaliou a relatora.
A desembargadora ressaltou o fato de o advogado ter sido contratado como “coaching” pela transportadora. “Ora, se ele era sócio oculto, por qual razão deveria ser contratado formalmente?”, questionou. Em seguida, Albuquerque afirmou não haver respaldo jurídico para a manutenção do advogado no polo passivo. Assim, deu provimento ao agravo de petição e determinou a exclusão do advogado do polo passivo.
Processo: 0001938-12.2011.5.18.0101
Setor de Imprensa – TRT18
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Foto: divulgação da Web
Autor: Rodrigo Grecellé Vares