Vale lembrar de imediato que a atuação do detetive profissional na produção de provas judiciais é lícita. Porém, o profissional precisa respeitar a legislação. Destacamos a Lei 13.432/2017 que traz a regulamentação sobre o exercício da profissão. Observemos o artigo 2º da Lei 13.432/2017:
“Para os fins desta Lei, considera-se detetive particular o profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial, planeje e execute coleta de dados e informações de natureza não criminal, com conhecimento técnico e utilizando recursos e meios tecnológicos permitidos, visando ao esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante. ”
O trecho, por si só, não deixa dúvidas de que o nosso trabalho enquanto detetive particular é lícito. Mas aqui se faz necessário esclarecer que a uma linha muito tênue entre o licito e o ilícito. Geralmente, o trabalho do detetive particular na produção de provas judiciais ocorre em um contexto complexo que pode ser considerado evasivo ou até intimidador. Neste caso, as provas podem ser consideradas ilícitas.
O fato é que as investigações são feitas sem que o alvo a ser investigado saiba. Neste contexto é importante que a investigação seja realizada por profissional habilitado, que saiba distinguir os limites entre investigação e a violação dos direitos à intimidade, à honra e à imagem do investigado.
Observemos o artigo 6º da Lei 13.432/2017:
“Em razão da natureza reservada de suas atividades, o detetive particular, no desempenho da profissão, deve agir com técnica, legalidade, honestidade, discrição, zelo e apreço pela verdade. “
O profissional deve estar atento ao artigo 6º, o referido artigo claro a conduta esperada de um detetive particular, que por sua vez tem o dever de respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do investigado.
A atuação de detetives no meio jurídico é corriqueira na Europa e países como Estados Unidos e Canadá. No Brasil é uma cultura incipiente, mas em franca expansão. Basta uma pesquisa processual e se percebem numerosos processos em que existem provas produzidas por detetives.
Podemos concluir então que, a atuação do detetive particular na produção de provas judiciais além, de ser legal, pode agregar credibilidade ao processo ou até mesmo ser fator decisivo em uma demanda judicial, muito importante agora, temos um provimento Nº 188/2018 ONDE O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 54, V, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB, e considerando o decidido nos autos da Proposição n. 49.0000.2017.009603-0/COP, RESOLVE:
Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.
Art. 2º A investigação defensiva pode ser desenvolvida na etapa da investigação preliminar, no decorrer da instrução processual em juízo, na fase recursal em qualquer grau, durante a execução penal e, ainda, como medida preparato´ria para a propositura da revisa~o criminal ou em seu decorrer.
Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção de prova para emprego em:
I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito;
II – rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa;
III – resposta a acusação;
IV – pedido de medidas cautelares;
V – defesa em ação penal pública ou privada;
VI – razões de recurso;
VII – revisão criminal;
VIII – habeas corpus;
IX – proposta de acordo de colaboração premiada;
X – proposta de acordo de leniência;
XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.
Parágrafo único. A atividade de investigação defensiva do advogado inclui a realização de diligências investigatórias visando à obtenção de elementos destinados à produção de prova para o oferecimento de queixa, principal ou subsidiária.
Art. 4º Poderá o advogado, na condução da investigação defensiva, promover diretamente todas as diligências investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição.
Parágrafo único. Na realização da investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.
Art. 5º Durante a realização da investigação, o advogado deve preservar o sigilo das informações colhidas, a dignidade, privacidade, intimidade e demais direitos e garantias individuais das pessoas envolvidas.
Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados.
Parágrafo único. Eventual comunicação e publicidade do resultado da investigação exigirão expressa autorização do constituinte.
Art. 7º As atividades descritas neste Provimento são privativas da advocacia, compreendendo-se como ato legítimo de exercício profissional, não podendo receber qualquer tipo de censura ou impedimento pelas autoridades.
Sobre o Tribunal do Júri é um órgão do Poder Judiciário[1][2][3] responsável pelo julgamento de crimes dolosos contra a vida. O Tribunal do Júri é composto por um juiz de carreira (“juiz togado”)[1] e vinte e cinco jurados, pessoas do povo escolhidas mediante sorteio,[1] dos quais sete compõe o chamado Conselho de Sentença, responsável pelo julgamento do acusado.[2] Ao Conselho de Sentença cabe a decisão sobre a autoria e materialidade do crime; ao juiz togado, a fixação da pena e a condução do julgamento.[1][3] Estabelece a Constituição Federal (CF) que as decisões do Tribunal do Júri são soberanas e sigilosas. A soberania das decisões significa que o veredito do Conselho de Sentença não pode ser revisto pelo Poder Judiciário. Já o sigilo implica em decisões realizadas sob o sistema da íntima convicção, dispensando a fundamentação por parte dos jurados.[4]
A Constituição brasileira não apresenta uma lista de “crimes dolosos contra a vida”, de modo que a competência do Tribunal do Júri é construída por doutrina e jurisprudência. O entendimento amplamente majoritário aponta que o crimes de homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto são de competência do Tribunal do Júri, desde que presente o dolo do agente, já que se configuram em crimes contra a vida. Tipos penais que não atentem contra a vida da vítima, mas que acabem resultando em morte – como o latrocínio ou a lesão corporal seguida do resultado morte – não são considerados como “crimes contra a vida”, e, portanto, não são de competência do Tribunal do Júri.[5] Ao Tribunal do Júri também compete as infrações penais conexas aos crimes dolosos contra a vida.[6]
O Tribunal do Júri é figura polêmica no direito brasileiro.[7][8] O julgamento de um acusado por um corpo de jurados – pessoas, em regra, desprovidas de conhecimentos técnico-jurídicos – é objeto de crítica constante.[9][10][11] A inexistência de um dever de motivação das decisões também é criticada.[12] Não obstante as vozes contrárias, a Constituição Federal de 1988 situa o órgão dentro dos direitos e garantias fundamentais, de modo que o Tribunal do Júri não pode ser suprimido, por ser considerado cláusula pétrea.[3]
Tribunal do Júri na Constituição de 1988
“É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”
— Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XXXVIII.
O Tribunal do Júri é o único órgão jurisdicional que se encontra inserido no artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais.[8] Os demais órgãos do Poder Judiciário estão inseridos em capítulo próprio (“Do Poder Judiciário“, Capítulo III), entre os artigos 92 a 126.[4] Segundo a doutrina, essa posição topográfica do Tribunal do Júri na Constituição foi a forma de o constituinte instituir o órgão como “uma garantia de defesa do cidadão contra as arbitrariedades dos representantes do poder, ao permitir a ele ser julgado por seus pares”, nas palavras de Renato Brasileiro. O Tribunal do Júri, portanto, exerce uma função democrática, ao permitir a participação popular dentro do Poder Judiciário.[7][12][13]
Por estar inserido no artigo 5º da Constituição Federal, o Tribunal do Júri é considerado uma cláusula pétrea da Carta brasileira.[3] Isso significa que são vedadas emendas à Constituição tendentes à abolir o órgão. Em outras palavras, não é órgão que possa ser removido do ordenamento brasileiro, salvo com a promulgação de nova Constituição Federal.[14] Por outro lado, as competências do Tribunal do Júri podem ser ampliadas para abarcar outros crimes que não apenas os dolosos contra a vida, seja mediante emenda constitucional, seja mediante simples lei ordinária.[15]
Plenitude de defesa
A Constituição Federal diferencia a “ampla defesa”, que é assegurada a todos os acusados (art. 5º, LV), da “plenitude de defesa”, assegurada aqueles submetidos ao Tribunal do Júri. Não há consenso sobre o conteúdo da “plenitude de defesa”, mas a maioria dos autores entende que essa implica em um exercício de defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa. Esse grau maior reside no fato de que a plenitude de defesa permite a utilização de argumentos não jurídicos, admitindo-se razões de ordem social, moral, religiosa, etc.[16] Em outras palavras, dispensa-se a obrigatoriedade de uma defesa técnica, pautada unicamente em fundamentos legais.[4] Essa dispensa justifica-se pelo fato dos jurados serem, em regra, leigos em Direito, de modo que se permite a defesa com base em fatos não jurídicos.[17] Renato Lima ainda aponta como aspecto da plenitude de defesa a possibilidade de o acusado também apresentar sua defesa pessoal (autodefesa), defesa essa que deverá ser incluída pelo juiz quando da quesitação aos jurados, sob pena de nulidade do processo.[18] Há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, se manifestando pela necessidade de quesitação apenas da defesa técnica, dispensando o questionamento acerca da autodefesa.[19]
Sigilo das votações
O Júri (1861), por John Morgan. Diferente da pintura, no Brasil é requerido que os jurados não se comuniquem entre si.
A decisão dos jurados deve ser sigilosa. Para assegurar esse sigilo, o Código de Processo Penal (CPP) determina que a votação ocorra em uma sala especial; na falta de uma, o juiz deve determinar a saída do público do recinto de julgamento. Devem estar presentes na sala especial, quando dos votos dos jurados, o representante do Ministério Público (MP) e o advogado do acusado, além do juiz e os auxiliares da justiça. Ao acusado não é permitido assistir a votação, evitando assim que os jurados se sintam constrangidos pela sua presença. Caso o acusado atue como seu próprio advogado, deve ser nomeado defensor exclusivamente para acompanhar a quesitação.[18]
O sigilo das votações impõe o dever de silêncio entre os jurados,[20] significando que esses não poderão comunicar-se entre si e com outrem.[21] A regra de incomunicabilidade impede que um dos jurados possa influir no ânimo e no espírito dos demais, influenciando sua decisão.[22] O sistema brasileiro, nesse aspecto, é completamente diferente do sistema americano, no qual é permitido que os jurados se manifestem livremente.[20] Os jurados que desrespeitem a regra da incomunicabilidade serão excluídos do julgamento e multados em 1 a 10 salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com sua condição econômica.
Os jurados devem se manter incomunicáveis durante todo o julgamento. Caso o julgamento demore horas, ou até mesmo mais de um dia, os jurados deverão fazer suas refeições no próprio prédio do Fórum, e ali dormir, se for o caso, para evitar o contato com o mundo exterior.[21] Segundo o STF, não configura quebra da regra da incomunicabilidade a comunicação pelo jurado a terceiros, mediante uso de telefone celular, de que fora selecionado para participar do júri, sem a divulgação de dados do processo.[23] Também não há quebra da incomunicabilidade se o jurado, após o julgamento, revela seu voto; a regra vige apenas enquanto durar a audiência.[21]
Para proteger o sigilo dos votos, o Código de Processo Penal prevê que a resposta negativa de mais de 3 jurados aos quesitos atinentes à materialidade do fato e autoria ou participação encerra a votação e implica a absolvição do acusado, sem que seja necessário se proceder à colheita dos demais votos.[24] Com isso, se evita a identificação dos votos no caso de decisão unânime dos jurados.[25] Apesar de a lei prever esse procedimento apenas para certos quesitos, a doutrina e a jurisprudência entendem que a regra deve ser aplicada em toda quesitação, de modo a interromper a votação sempre que existirem 4 votos num mesmo sentido.[24]
Soberania dos veredictos
A decisão dos jurados (“veredito”), por representar a vontade popular, é soberana e não pode ser modificada pelos juízes.[26] Como qualquer decisão proferida pelo Poder Judiciário, o veredito dos jurados pode ser impugnado, por meio do recurso cabível; o que é vedado é que o Tribunal, analisando esse recurso, profira decisão que adentre o mérito do que fora decidido pelos jurados.[27] Nesse sentido, o Código de Processo Penal prevê que se a decisão do Conselho de Sentença for “manifestamente contrária à prova dos autos”, o Tribunal competente poderá cassar essa decisão, e determinar que novo Tribunal do Júri seja realizado. Dessa forma, o Tribunal reconhece o equívoco na apreciação probatória, sem, contudo, desrespeitar a soberania dos jurados, eis que não proferirá, ele próprio, nova decisão, determinando apenas outro julgamento pelo júri.[28] É possível ainda a revisão criminal contra a decisão do Tribunal do Júri,[29] caso a sentença condenatória tenha se baseado em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos.[26]
Por outro lado, as decisões do juiz togado poderão ser substituídas, caso delas se recorra, já que o juiz do Tribunal do Júri decide apenas questões formais, relativas ao procedimento e a aplicação da pena.
Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
Cain mata Abel, por Gustave Doré. O homicídio doloso, por ser um crime contra a vida, deve ser julgado pelo Tribunal do Júri.
O Tribunal de Júri tem competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, segundo a Constituição Federal. Essa competência é dita mínima, pois não pode ser reduzida, nem por emenda constitucional, mas pode ser ampliada, por meio de lei ordinária.[3][28] Essa ampliação da competência do Júri por meio de lei já ocorre de fato, já que o Código de Processo Civil (CPC) determina que o Tribunal do Júri julgue também os crimes conexos ao crime dolosos contra a vida, salvo em se tratando de crimes militares ou eleitorais, hipótese em que deverá se dar a obrigatória separação dos processos.[3][28]
A Constituição Federal não uma lista de “crimes dolosos contra a vida”, de modo que a competência do Tribunal do Júri é construída por doutrina e jurisprudência. O entendimento amplamente majoritário aponta como crimes contra a vida:
Para que tais crimes sejam julgados pelo Tribunal do Júri, é necessário a presença do elemento subjetivo dolo por parte do agente.
Crimes que não são de competência do Tribunal do Júri
Latrocínio
“A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri.”
— Supremo Tribunal Federal, enunciado de súmula nº 603.[30]
O Código Penal (CP) não prevê uma infração penal autônoma denominada “latrocínio”; a figura, em verdade, é constituída pelo crime de roubo qualificado pelo resultado morte.[28] Dessa forma, em se tratando de roubo, considera-se uma infração contra o patrimônio, e não contra a vida, uma vez que o roubo se encontra inserido no capítulo “dos crimes contra o patrimônio”.[3] Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, consagrado em seu enunciado de súmula nº 603.
Ato infracional cometido por menor de idade
Nos termos da Constituição Federal, os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos à legislação especial, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8 069/1990), comumente chamado de “ECA”. Segundo o ECA, “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”; dessa forma, menores de 18 e maiores de 12 anos não cometem crimes, mas atos infracionais, que são de competência do Juizado da Infância e da Juventude.
Genocídio
O crime de genocídio, no Brasil, é constituído por variadas condutas elencadas pela Lei nº 2 889/1956, dentre as quais incluem-se atos que não implicam na morte de integrantes de grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como “causar lesão grave”, “adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo” e “efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”. Dessa forma, o genocídio, em abstrato, não é de competência do Tribunal do Júri; todavia, se praticado mediante morte de membros do grupo, deverá o agente responder pelos crimes de homicídio em concurso com o delito de genocídio, sendo então julgado pelo Júri.[28]
Crime cometido por pessoa com foro por prerrogativa de função
“A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.”
— Supremo Tribunal Federal, enunciado de súmula vinculante nº 45.[31]
Segundo o Supremo Tribunal Federal, o crime doloso cometido por agente público que disponha de foro por prerrogativa de função será de competência do respectivo Tribunal, e não do Júri, desde que esse foro esteja previsto diretamente na Constituição Federal. Segundo o entendimento mais recente da Corte sobre a prerrogativa de função, é necessário também que o crime tenha sido cometido durante o exercício do cargo e relacionado às funções deste.[32] Assim, a título de exemplo, se um Promotor de Justiça for denunciado por homicídio doloso, será julgado pelo Tribunal de Justiça de seu respectivo estado, e não pelo Júri,[3] desde que demonstrado que o homicídio seu deu durante o exercício do cargo público e esteve relacionado com as funções de Promotor.
Caso a prerrogativa de foro esteja prevista exclusivamente em Constituição Estadual, o agente público será julgado pelo Tribunal do Júri, nos termos do enunciado de súmula vinculante nº 45 do Supremo Tribunal Federal.
O Júri no Mundo – Direito Comparado
O presente artigo traz uma visão geral sobre o funcionamento do Tribunal do Júri em diversos países do mundo, como Inglaterra, Estados Unidos, França. Itália, Espanha e Portugal.
Inglaterra
Na Inglaterra, berço do Júri que hoje se conhece no Brasil, o Tribunal Popular é responsável por apenas 1 a 2% dos casos criminais.[1]
Os jurados, sendo 12 pessoas com idade entre 18 e 70 anos, decidem se o réu é culpado ou inocente proferindo um vere dictum que deve expressar a vontade, se esta for no sentido da condenação, de, no mínimo, 10 votos contra 2, pois se não houver essa maioria qualificada, o réu deverá ser submetido a novo Júri, com novos jurados. Se o novo Júri não alcançar a maioria qualificada, o réu será considerado inocente, e será absolvido.[2]
Assim como no Brasil, a elaboração da sentença é ato exclusivo do magistrado.[3]
O Juiz intervém apenas para a garantia de que o debate seja conduzido de modo justo, para que assim, as questões de fato sejam levadas de forma apropriada à apreciação dos jurados em decisão final.[4]
Vale ressaltar que, diferentemente do sistema nacional, em solo inglês, o Tribunal do Júri é fundado na comunicação plena entre os jurados, que decidem com base no juramento que fazem de “julgarem fielmente o acusado e darem um veredicto verdadeiro de acordo com as provas apresentadas.”.[5]
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, tanto as causas cíveis quanto as criminais são processadas pelo Tribunal do Júri. Aos juízes togados está reservada a função de direção dos debates, moderação dos interrogatórios e a decisão das questões de direito, atuando como presidentes na função de guardar os direitos consagrados nas emendas constitucionais norte-americanas, sendo que nos Estados Unidos, o processo penal é regido pelo princípio acusatório puro, cabendo exclusivamente ao Ministério Público, o ônus da prova da existência de indícios de crime contra o acusado em igualdade de condições perante a defesa técnica, fazendo valer o chamado Due Process of Law.[6]
A VI Emenda dita que todos os acusados têm direito a um julgamento público e rápido, a ser feito por jurado imparcial e selecionado no Estado e no Distrito no qual foi cometido o delito, sendo previamente estabelecido por lei.[7]
Nas palavras de Paulo Rangel: “Toda a regulamentação do processo perante o júri, no plano processual, está submetida à conformidade com o direito fundamental estabelecido na Constituição, logo há um limite à vontade normativa ordinária que, se ultrapassada, será inconstitucional” (…) “A pedra angular da justiça nos EUA é o processo perante o Tribunal do Júri, pois o cidadão americano tem plena consciência de que sua participação na vida pública não apenas se efetua a partir do direito ao voto, mas, sim, em especial, de sua integração ao corpo de jurados. A cidadania também é exercida no Tribunal do Júri, pois o poder emana do povo e, por intermédio dele, se evitam decisões arbitrárias na aplicação da lei.”.[8]
Nos Estados Unidos, o tamanho do corpo de jurados varia entre 6 e 12 membros, podendo a ser a decisão por unanimidade ou até a maioria de 2/3 de votos, variando de um Estado para outro.[09]
Porém, em se tratando do Júri federal, o corpo de jurados é composto por 12 pessoas, sendo que para todos os casos criminais o veredicto deve ser unânime. Como a Constituição americana não prevê um número determinado de jurados, no âmbito estadual, tal matéria foi disciplinada pelo Tribunal Supremo Federal.[10]
Quando se trata de delitos de natureza grave, em quase todos os Estados, exige-se a composição de 12 jurados, bem como a decisão por unanimidade (com exceção dos Estados de Arizona e Utah, que permitem um corpo de jurados formado por 8 membros, e os Estados de Connecticut, Florida, Massachusetts e Nebraska, onde o corpo de jurados pode ser integrado por 6 membros, desde que seja unânime a decisão). Cabe ressaltar que, mesmo em casos de decisão por maioria de votos, o Tribunal Supremo Federal americano tem declarado a inconstitucionalidade dos casos nos quais o corpo de jurados é composto por menos de 6 membros.[11]
Assim, é possível perceber que nos Estados Unidos o Tribunal de Júri têm fundamental importância, sendo previsto Constitucionalmente, e tendo como regra as decisões por unanimidade.[12]
França
A França, país que é revestido de importância histórica para os direitos da sociedade, teve o Tribunal do Júri forjado em meio a uma das maiores, senão a maior, Revolução que o mundo já viu, a Revolução Francesa. Nas palavras de Paulo Rangel, temos esta contextualização histórica: “Dotada de uma estrutura processual inquisitiva, a França necessitava de um mecanismo de controle do abuso estatal durante o procedimento criminal, pois a tortura, como meio de prova, era prática comum. O júri, então, veio colocar um freio nesse abuso representando os valores e os ideais dos revolucionários da época que fundaram a Revolução em três conceitos básicos: liberdade, igualdade e fraternidade. Liberdade de decisão dos cidadãos; igualdade perante a justiça e fraternidade no exercício democrático do poder.”.[13]
O Tribunal do Júri, na França, ao longo de sua história passou por diversas modificações, sendo que, inicialmente, era ligado às funções eleitorais, e os jurados eram escolhidos pela lista eleitoral. Dessa forma, só podia atuar como jurado quem estivesse na qualidade de eleitor, fazendo com que o Júri adquirisse um viés político e não judicial, vez que, havia obrigatoriedade de ser jurado, mas não havia de ser eleitor.[14]
Atualmente, a Cours d’Assises, como é chamado o Tribunal do Júri na França, se dá na formação do escabinato, ou seja, três magistrados e nove jurados, sendo um juiz na função de presidente e outros dois como assessores.[15]
A decisão pelo escabinato se dá em sessão individual e secreta, sendo apresentados quesitos sucessivos e distintos a respeito do fato típico penal, e depois, sobre as agravantes, questões subsidiárias e sobre cada um dos fatos que podem ensejar uma eventual diminuição de pena.[16]
Dessa forma, o acusado só será declarado culpado se, entre os 12 integrantes do Júri, pelo menos 8 assim decidirem. Cabe ressaltar, que no escabinato, a aplicação da pena também é questão a ser decidida pelos jurados.[17]
Itália
O Tribunal do Júri, na Itália, passou a integrar o ordenamento jurídico desde muito cedo, em 1859. Porém, com a ascensão do fascismo, a instituição que antes expressava a democracia – pois permitia ao povo que participasse do poder judicial – foi extinta. Foi criada uma alternativa, uma espécie de escabinato, conhecido como assessorado, que permitia que determinadas pessoas, dotadas de status social privilegiado e filiadas ao partido fascista, participassem da administração da justiça.[18]
Mesmo com o fim do fascismo, o Tribunal do Júri italiano continuou sem o viés social que antes, lhe era inerente, pois permaneceu o chamado assessorado.[19]
O assessorado é composto por 2 magistrados togados, e mais 6 cidadãos, sendo que entre estes, 3 devem ser homens. Assim, os jurados integram o tribunal e participam das decisões de fato, de direito, bem como de todas aquelas que integram o processo.[20]
Os jurados são escolhidos por sorteio a ser realizado pelo Juiz presidente da Corte, participando apenas os cidadão de boa conduta, idade entre 30 e 65 anos, com escolaridade média de primeiro grau, sendo exigido o segundo grau se for compor o corpo de jurados da Corte de Apelação.[21]
A decisão do assessorado se dá pela maioria de votos, prevalecendo sempre a decisão mais favorável ao réu.[22]
Espanha
Na Espanha, o Júri é previsto constitucionalmente, ficando claramente estabelecido que o cidadão tem direito a participar da administração da justiça.[23]
O Tribunal do Júri espanhol é composto por um magistrado integrante da audiência provincial, que será o presidente do Tribunal, e mais 9 jurados, que não precisam de bacharelado em direito, e desempenham função emitindo veredicto, declarando provado ou não o fato, e sobre a culpa ou inocência do acusado.[24]
A pena é aplicada pelo Juiz Presidente, que resolve, também, acerca da responsabilidade civil do acusado ou de terceiros, quando for o caso.[25]
Os jurados são sorteados entre os eleitores em cada província, dentro dos 15 últimos dias do mês de setembro dos anos pares, a fim de compor a lista bienal de candidatos a jurados.[26]
O Júri pode ser dissolvido se houver consenso entre as partes no sentido da condenação do réu, porém, a pena não poderá ultrapassar 6 anos de privação de liberdade, isoladamente; ou cumulativamente, pena de multa ou privação de direitos. Dessa forma, pode o Ministério Público retirar a pretensão acusatória, com a consequente dissolução do conselho de sentença e prolação da sentença absolutória. Assim, retirada a acusação pelo Ministério Público, o conselho é dissolvido e o réu absolvido.[27]
A deliberação se dá secretamente, e em portas cerradas, tendo o jurado a obrigação de não revelar o que se passou dentro da sala. Porém, a votação é nominal, em grupo, e em voz alta, sendo o réu considerado culpado apenas se houver sete votos nesse sentido, dentre os nove.[28]
Cabe ressaltar, que na Espanha a função de jurado, além de pública e pessoal, também é remunerada.[29]
Outro ponto interessante no Júri espanhol, é que as partes podem entrevistar os candidatos a jurados, a fim de extrair o perfil de cada um, sendo isso muito importante para garantir que os jurados selecionados não tenham qualquer tipo de preconceito ou pré-disposição que afete em seu julgamento.[30]
Portugal
O Tribunal do Júri em Portugal, é constituído por três juízes, que formam o tribunal coletivo e por quatro jurados eletivos e quatro suplentes, adotando-se também o regime de escabinato ou assessorado.[31]
O Júri, em solo português, não é muito usual, vez que tem caráter facultativo, apenas instalando-se a sessão se as partes requererem. Porém, se este for o caso, a intervenção será irretratável, sendo que tal requerimento é feito no prazo em que o Ministério Público tem para realizar a imputação penal.[32]
Como ensina Paulo Rangel: “A função do escabinato português é intervir na decisão das questões da culpabilidade e na determinação da pena a ser aplicada, ou seja, a formação do escabinato com juízes togados permite que seja discutido o quantum da pena a ser aplicada, pois questões estritamente legais são conhecidas e compreendidas, já que integram o júri juízes togados.”.[33]
Em Portugal, a função de jurado também é remunerada – assim como na Espanha – e consiste em serviço público obrigatório, sendo a recusa considerada crime. O sorteio dos jurados é feito entre os eleitores constantes dos cadernos de recenseamento eleitoral.[34]
No procedimento português, tanto Ministério Público, quanto a defesa, tem direito a até duas recusas imotivadas de jurados, conhecido no Brasil como recusa peremptória.[35]
Importante salientar que no Tribunal do Júri de Portugal, existe a necessidade de fundamentação nas decisões, devendo cada juiz e cada jurado esclarecer quais foram os motivos que os levaram a formar tal convencimento, indicando, quando possível, os meios de prova que serviram como base para a decisão.[36]
Assim, após tal análise internacional do Tribunal Popular, em suas várias composições que adquire ao redor do mundo, salta aos olhos a magnitude de sua relevância entre os maiores sistemas jurídicos existentes, e mais ainda, a sua hercúlea relação com o desenvolvimento social em cada país no qual esta presente, mesmo muitas vezes assombrado por regimes anti-democráticos que o enfraqueceram propositalmente, em face a sua grande relevância para o clamor social.